Não parei desde que comecei a ler "Há Raposas no Parque. Crónicas de Uma Portuguesa em Londres" de Clara Macedo Cabral, Lisboa, Maio, 2009, Edição Quidnovi.
Trata-se de uma obra em que a autora, a viver em Londres, regista, anota , recorda e comenta o seu quotidiano com grande sagacidade e inteligência. É um género literário (infelizmente) pouco utilizado em Portugal mas que possui antecedentes notáveis, principalmente a partir do século XVII. São-nos familiares os livros sobre Portugal e os portugueses que grandes viajantes acharam por bem escrever para a posteridade: da terrível Princesa Rattazzi que no seu "Portugal à Vol d'Oiseau" deixou a pátria em polvorosa com os seus mordazes comentários, passando por Hans Christian Andersen, ("A Visit to Portugal", 1866), Daniel Defoe ( século XVII), Lord Byron e muitos outros. Reconhecemo-nos, por vezes com algum desconforto em páginas e páginas escritas sobre nós e amiúde acreditamos que ninguém nos conhece verdadeiramente . No caso de Clara Macedo Cabral a visão é contrária - uma portuguesa a observar uma cidade estrangeira, e a tecer comentários muito oportunos sobre o dia-a-dia, os hábitos, os rituais, a história, o ambiente criado pelos britânicos e as histórias de algumas das principais figuras deste País. Macedo Cabral é uma jovem mãe e, no início do livro acompanhamo-la no parto, nos passeios com a criança, no contacto com as outras mães, enquanto se vai adaptando e integrando. O aspecto mais proeminente do seu relato é a constatação do civismo dos ingleses, civismo esse que é quase automaticamente adoptado por quem passa a viver no País. Outros aspectos abordados com grande sentido de oportunidade por Macedo Cabral são os que contrastam com a nossa (portuguesa) forma de estar na vida. A autora realça, nos ingleses, a ausência de auto-piedade e de "lamechice" - eles são práticos, pragmáticos e resistentes - a forma "lógica" e criteriosa como enfrentam dificuldades, a maneira de lidar com o stress - calmamente e até com displicência - a ausência de burocracia, o cultivar de boas maneiras, o respeito pelo "outro" e o exercício da liberdade verdadeiramente democrática. Numa palavra, o exercício em pleno, da cidadania.
Cito, da página 84:
" Ganha-se bastante em conhecer e respeitar o núcleo (de normas), o mesmo que se perde em infringi-lo. Aceitação, integração, sucesso. Quem para aqui imigra depressa integra os modos educados da cultura britânica. Esse saudável impulso que o imigrante sente de querer copiar e por vezes ser mais papista que o papa, tal é o medo de ser reconhecido e estigmatizado, beneficia a todos, indivíduo e sociedade".
"Há Raposas no Parque" - um título misterioso, cuja chave se encontra na leitura, é uma obra essencial. Cada vez mais precisamos de aprender com os outros a melhor forma de conviver com todos. E não nos faz mal nenhum copiar o que funciona e por de lado vícios arreigados de um comportamento pouco civilizado. Esperamos ter já percorrido algum caminho desde que Byron escreveu a seguinte carta:
[Ao Sr. Hodgson]
"Lisboa, 16 de Julho de 1809."
"Até ao momento temos seguido a nossa rota, e visto todo o tipo de panorâmicas maravilhosas, palácios, conventos, & c., - o que, estando para ser contado na próxima obra, Book of Travels, do meu amigo Hobhouse, eu não anteciparei transmitindo-lhe qualquer relato de uma maneira privada e clandestina. Devo apenas observar que a vila de Cintra, na Estremadura, é talvez a mais bela do mundo.
Sinto-me muito feliz aqui, porque adoro laranjas, e falo um latim macarrónico com os monges, que o compreendem, uma vez que é como o deles, - e frequento a sociedade (com as minhas pistolas de bolso), e nado ao longo do Tejo, e monto em burros ou mulas, e digo palavrões em Português, e sou mordido pelos mosquitos. Mas quê? Aqueles que efectuam digressões não devem esperar conforto.
Quando os portugueses são pertinazes, eu digo 'Carracho!' - a grande praga dos fidalgos, que muito bem ocupa o lugar de 'Damme!' - e quando fico aborrecido com o meu vizinho declaro-o 'Ambra di merdo' [por 'Homem de merda' ?]. Com estas duas frases, e uma terceira, 'Avra bouro' [por 'Arre burro' ?], que significa 'Get an ass' ['Arranja um burro' ...!?!, obviamente uma tradução incorrecta.], sou universalmente reconhecido como pessoa de categoria e mestre em línguas. Quão alegremente vivemos sendo viajantes! - se tivermos comida e vestuário. Mas, em sóbria tristeza, qualquer coisa é melhor do que Inglaterra e eu estou infinitamente divertido com a minha peregrinação, até ao momento..."
A carta continua mas aqui está o que nos interessa.
P.S. Tenho apenas um reparo a fazer sobre este livro: há o hábito de se dizer , em português, (e escrever), "desfolhar revistas... jornais... livros" e, aqui, "desfolhar notícias". "Desfolhar é "tirar a folha", por isso, folhear é o verbo adequado. De resto, "Há Raposas no Parque" está muitíssimo bem escrito, os temas - da imigração, dos direitos humanos e das mulheres por exemplo - impecavelmente tratados, mostrando erudição, boa informação e agilidade crítica.
A não perder.
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