quarta-feira, 25 de março de 2009

Ainda Jane Austen

- Será que concordam comigo que "O Parque de Mansfield" poderia intitular-se "A Lenta e Segura Ascensão até ao Topo de Fanny Price"?
- Fanny Price foi a heroína favorita de Jane Austen - será que ela dizia, "Fanny c'est moi!"?
- Fanny revela-se como o "preço" a pagar por todos para atingirem a felicidade? Será ela o prémio, o troféu dos bons ou dos que melhoram ao longo do livro? ( De notar que, no final é a família Price - William e Susan - que melhor servem a comunidade e os Beltram. )
- Repare-se que Fanny Price é a única que mostra carácter, ao longo do livro. É a única que é contra a corrente, que não é consumista nem vaidosa, nem inconstante ou caprichosa.Na verdade ela tem uma forte personalidade, sem nunca fazer alarde disso.
O que acham?

segunda-feira, 23 de março de 2009

O que fazer com Jane Austen?



É já na próxima quarta-feira, dia 25 de Março, a última sessão desta série, da Comunidade de Leitores na Culturgest. O livro que vamos discutir é " O Parque de Mansfield" de Jane Austen.
Não existe nenhum escritor que se tenha preocupado tanto com o dinheiro e com a felicidade como Jane Austen. Com ela estão mesmo intimamente ligados. Tão intimamente que há muita gente que a apelida de cínica. Aliás, Austen, uma das poucas autoras que se aproxima de Shakespeare naquilo a que Harold Blomm chamou a "invenção do humano" é muitas vezes mal compreendida.
Para começar, os seus romance são cómicos e as figuras que ele recria nunca deixam de passar pelo escrutínio do seu olhar atentíssimo e irónico. (Mesmo quando a ironia é simpática e terna). Depois, ela é a construtora de um universo cheio de vida, de pessoas, animais, coisas, casas e paisagens que são examinados à lupa e descritos com uma minúcia invejável. E, embora ainda não existisse Freud nem a psicanálise, ninguém como Jane para desvendar os segredos e mistérios da alma humana com todos os seus pecadilhos e (alguns) belos sentimentos.
Vejamos "O Parque de Mansfield": como interessar os leitores por este romance, o primeiro da idade "madura" da escritora, em que não existe nenhuma personagem totalmente aceitável e em que o "par romântico" que ocupa o cerne da narrativa é composto pelas duas pessoas mais aborrecidas e sem graça da história da literatura? Fanny é uma autêntica "lula" e Edmund não lhe fica atrás. Nem um nem outro são interessantes ou particularmente inteligentes, espirituosos ou belos. São ambos muito bonzinhos e, se acabam por ficar juntos, não é porque tenham feito qualquer esforço para isso. São as próprias circunstâncias - e os erros dos outros - que finalmente os empurram para os braços um do outro. (É um pouco como no futebol quando uma equipa ganha graças às asneiras e aos autogolos da equipa contrária!)
Assim, deixo aqui, as duas primeiras perguntas: o que é mais interessante em "O Parque de Mansfield"? Qual a personagem determinante, em toda a acção?

Como sabem, Jane Austen tem provocado, nos últimos anos, uma autêntica mania. Não têm conta os filmes, as séries de televisão, os artigos, os livros. Há tratados inteiros sobre a moda, a jardinagem, a arquitectura, a culinária, a música, os transportes, as jóias e acessórios, nos romances de Jane Austen.
Podem ter uma ideia se consultarem este blog http://janeaustensworld.wordpress.com/

domingo, 22 de março de 2009

"A Tempestade" de Shakespeare



Fui ontem ver "A Tempestade" no Teatro do Bairro Alto, em Lisboa, pela Cornucópia. Estava uma noite magnífica - nada tempestuosa - mas dentro do Teatro o arrebatamento foi total.
Como sabem "A Tempestade" é suposta ser a última peça de Shakespeare, partilhando com "Sonho de Uma Noite de Verão" a "categoria" de "comédias visionárias", como lhes chamou Harold Bloom.
Não sou crítica de Teatro mas aconselho vivamente esta encenação. Nunca tinha visto (ouvido) esta peça em Português e fiquei muito surpreendida porque a cadência, o embalo, o fulgor e a ironia shakespereanas foram preservadas. E o mesmo acontece em relação à encenação, sem concessões, rigorosa, forte. Para mim, "A Tempestade" é uma peça sobre a velhice, não a velhice caduca mas sim a velhice sábia, poderosa, experiente, encarnada em Próspero, o grande mago que domina os elementos, que manipula a Natureza e os seres humanos e perdoa, no final, aos seus inimigos. No entanto, esta figura é tão complexa e contraditória que o que aqui fica escrito é apenas um ténue apontamento. Luis Miguel Sintra é um Próspero pungente e poderoso, inquietante e, por vezes, melancólico. A sua ternura por Miranda e a alegria por a ver feliz são próprios de um pai atento e a sua relação com Caliban, esse ser não totalmente humano - ou antes, a de Caliban com ele - é, apropriadamente, desprovida de sentimentalismo. Dr Johnson, em relação à tão polémica figura de Caliban falou da "gloominess of his temper and the malignity of his purposes" e Auden, colou-lhe a célebre frase , "the love nothing, the fear all". Claro que Caliban é um bruto e Ariel um espírito requintado mas ambos foram escravizados por Próspero, cada qual à sua maneira. É ainda Bloom quem faz notar que Próspero, ao contrário de Hamlet ( na peça infinita, do mesmo nome) que morre, dizendo que ainda teria muito mais para nos contar, diz "let it be" no final. As casas familiares estão finalmente arrumadas, ele regressa a Milão e retoma as rédeas do poder usurpado, casa a filha, perdoa aos inimigos e liberta os espíritos. Miranda não é a minha figura favorita em Shakespeare - parece tão etérea como os espíritos da ilha - mas cumpre o seu destino. Ariel, no seu amável e familiar pacto com Próspero, fornece a este último o apoio que é o oposto ao que Mefistófeles prodigaliza a Fausto e funciona como a chave para a compreensão da complexa personalidade de Próspero ( ajuda-o na sua "prosperidade")
Fontes: "Naufragius" de Erasmo, "Os Canibais" de Montaigne, "Metamorfoses de Ovídio, a commedia dell'arte italiana, entre outras.
Muito mais haveria para dizer. Mas o que interessa é ver a peça e ler os valiosos textos do Programa, como sempre muito informativo, com os ensinamentos de Luís Miguel Sintra e uma explicação excelente do porquê das suas opções, como encenador e actor. Uma palavra especial para a cenografia de Cristina Reis (deslumbrante), maravilhosamente acompanhada pelo desenho de luzes de Daniel Worm D’Assumpção. Gostei de ver actores muito jovens a contracenarem com o Mestre, com força e maturidade, gostei da música, do encantamento.
E não esqueçamos que os truques e a magia de Próspero são puro teatro dentro da peça, num palco - a ilha - que dá azo a todas as possibilidades.
De 12 de Março a 26 de Abril de 2009
Teatro do Bairro Alto, Lisboa
Terça a Sábado às 21:00h. Domingo às 16:00h
Duração do espectáculo 3:15h com intervalo de 15 min.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Questões sobre Duras e "Barragem contra o Pacífico"

Em "Barragem contra o Pacífico" :

1 - Como classificar a figura da Mãe?
- Uma déspota, uma "mãe-coragem"? Uma figura admirável ou sinistra? Uma pessoa que impõe um regime totalitário - os filhos só crescem quando ela morre - e que exerce uma força centrípeta, de forma a que tudo se concentre nela? Palavras chave : retenção, resistência, luta, manipulação, coacção violenta - física e psicológica
2 - Será este romance uma narrativa iniciática? De Joseph, de Suzanne?
3 - O que diz Duras sobre o sistema colonial em decadência? Como explicar a imagem dos vermes a corroerem o texto da casa?
4 - Como ilustrar, neste romance, os seguintes temas: o racismo, as diferenças sociais, o sadismo familiar, a solidão, a ganância, a extrema pobreza
5 - O que representa o diamante? Como explicar as oscilações de valor que lhe são atribuídas?
6 - Como classificar Joseph? Como é que ele se liberta do jugo maternal? Será que se liberta, verdadeiramente?
7 - Porque sofrem tanto os filhos, no final, quando a mãe morre?

terça-feira, 17 de março de 2009

De novo Duras e "A Barragem Contra o Pacífico"

A Luisa mandou-me a seguinte mensagem cujo conteúdo publico com a sua permissão.
Aqui vai:

Este livro da Marguerite Duras, SIM, com o maior prazer o li e reli, o nosso passado colonial, o igual sofrimento dos pequenos colonos, que a grande maré da descolonização injustamente deixou nestas praias ocidentais. O mal sempre recorrente, a injustiça exercida sobre os inocentes e os miseráveis, a Natureza implacável e selvagem ... e no entanto fonte de riqueza para uns, mortífera para outros, seiva ... e sangue dos oprimidos. A feroz lei da sobrevivência que leva a jovem mãe a entregar a criança e partir, o pé roído símbolo do mal que insidiosamente tudo corrompe, como a melopeia da mulher andrajosa e louca do o “vice-cônsul“...A escrita depurada de ornamentos denuncia essa «coisa» monstruosa que a todos gangrena; ela é a «barragem» contra o «pacifique», ironia da palavra que denota o seu contrário... Frágil barreira erguida e logo destruída, não só pela força da maré viva mas pelo trabalho de sapa dos caranguejos anões - preciosa imagem da nossa cumplicidade cobarde...A grande figura do Feminino arcaico, aquela mãe voluntariosa que só desiste da vida quando o filho parte, ele que afinal é o que guarda a carta (súmula de todas as que foi escrevendo), tremendo libelo acusatório, ela que sabe a força e a fraqueza da escrita, ela que diz que prefere os filhos mortos a que não saibam ESCREVER, o que aqui significa denunciar a falha, o campo do ... afinal inominável.

Hoje, na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa


Porque: "Faz hoje 50 anos que morreu António Botto, em consequência do atropelamento de que foi vítima no dia 4 de Março de 1959, na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, do Rio de Janeiro" . Não percam... É a Conferência de Eduardo Pitta sobre o poeta genial e (tão) mal conhecido. Às 18:30 na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa.

E consultem o blog do Eduardo - tem muito que se lhe diga: vivo, actual, polémico. Indispensável

segunda-feira, 16 de março de 2009

"Uma Barragem Contra o Pacífico" de Marguerite Duras

A Família Donnadieu

Comunidade de Leitores Culturgest - 5º Livro
Para além da "Barragem... " estou a reler, também, a biografia de Duras por Laure Adler. (Ed. Gallimard, 2000). Embora os franceses a produzirem biografias me irritem um bocado - aqui, a autora passa a vida a fazer perguntas aos leitores, do género, "será que a Duras pensou isto, fez aquilo, viu o quê?" , o que é frustrante e pouco rigoroso - à parte estes pormenores, é interessante descobrir como é difícil escrever uma biografia sobre uma escritora que falou incessantemente de si própria e que, evidentemente, se "criou" a si própria, com todos os mitos, fantasias, verdades e mentiras a caberem no vasto campo da liberdade artística. Por essa razão é importante verificar que Adler fez pesquisa em inúmeros documentos, tanto em França como no Vietname (antiga Indochina, onde Duras nasceu) e conheceu bem Duras.
Quanto a "Barragem..." estou a gostar muitíssimo, talvez porque vivi bastantes anos "ofuscada" por "L'Amant" (1984) - e, já agora, por "L'Amant de La Chine du Nord" (1991) - livros nos quais ela reescreveu a história da sua infância. Em "Barragem Contra o Pacífico", o relato é mais cru, mais "limpo", mais cruel, também.
Depois de "A Herdeira" de Henry James, continuamos no território das relações familiares que, como toda a gente sabe, é uma reserva inesgotável para o criação do romance, como género. O circuito familiar é a arena onde se travam as batalhas mais ferozes, onde os sentimentos são mais fortes e as paixões mais exacerbadas. Se Catherine Slopper foi sacrificada pelo pai por ter dinheiro a mais, aqui é Suzanne - que poderá ser considerada como oposto de Catherine - quem é empurrada para o gesto sacrificial pela falta absoluta desse mesmo dinheiro.
Será assim?
Como podemos tratar a figura da mãe de Suzanne? E a do irmão? De que forma o ambiente em que vivem tem importância para o romance?
Até quarta-feira. Se me lembrar, colocarei mais perguntas. Alguém quer fazer o mesmo?

quarta-feira, 11 de março de 2009

O meu livro vai ser lançado... espero que para bons lugares, entre as estrelas!




É no dia 24 de Março, às 18:30h, na Livraria Bertrand do Chiado, em Lisboa. Portugal. Vai ser Inês Pedrosa, a escritora, crítica e Directora da Casa Fernando Pessoa, a falar sobre "A Infância É Um Território Desconhecido". Parece excessivo falar, aqui, do meu livro? Talvez.
No entanto, é uma obra que partiu de uma Comunidade de Leitores, leitores esses a quem agradeço veementemente.
Gostava que viessem a este lançamento.
Espero-vos.
E aqui fica o texto da contracapa:

Ler bons livros implica sempre o desvendar de mistérios. Estes textos dão a conhecer o universo de grandes autores que escolheram crianças como heróis e heroínas dos seus romances, revelando, através das suas personagens, as alegrias, traumas e anseios que associam à sua própria experiência e às características do tempo em que estão inseridos. Vitorianos como Charles Dickens, J.M. Barrie, Lewis Carroll, Mark Twain e Louisa May Alcott encaram as crianças, preferencialmente, como “anjos” travessos, no rasto de Rousseau e Wordsworth, enquanto que, no século XX , Thomas Mann, Vladimir Nabokov e William Golding, associam os seus meninos e meninas a um “mal” inato e sempre prestes a ser revelado. Ian McEwan e K. D. Rowling, nossos contemporâneos, exploram um vasto leque de possibilidades através dos múltiplos e complexos seres que povoam as suas obras. Todos perscrutam o território fértil da imaginação, da inocência (perversa e gloriosa), enquanto nos dão conta da ligação estreita entre a fantasia e a realidade, entre o vivido e o imaginado, entre o desejo e a consumação.