domingo, 22 de março de 2009

"A Tempestade" de Shakespeare



Fui ontem ver "A Tempestade" no Teatro do Bairro Alto, em Lisboa, pela Cornucópia. Estava uma noite magnífica - nada tempestuosa - mas dentro do Teatro o arrebatamento foi total.
Como sabem "A Tempestade" é suposta ser a última peça de Shakespeare, partilhando com "Sonho de Uma Noite de Verão" a "categoria" de "comédias visionárias", como lhes chamou Harold Bloom.
Não sou crítica de Teatro mas aconselho vivamente esta encenação. Nunca tinha visto (ouvido) esta peça em Português e fiquei muito surpreendida porque a cadência, o embalo, o fulgor e a ironia shakespereanas foram preservadas. E o mesmo acontece em relação à encenação, sem concessões, rigorosa, forte. Para mim, "A Tempestade" é uma peça sobre a velhice, não a velhice caduca mas sim a velhice sábia, poderosa, experiente, encarnada em Próspero, o grande mago que domina os elementos, que manipula a Natureza e os seres humanos e perdoa, no final, aos seus inimigos. No entanto, esta figura é tão complexa e contraditória que o que aqui fica escrito é apenas um ténue apontamento. Luis Miguel Sintra é um Próspero pungente e poderoso, inquietante e, por vezes, melancólico. A sua ternura por Miranda e a alegria por a ver feliz são próprios de um pai atento e a sua relação com Caliban, esse ser não totalmente humano - ou antes, a de Caliban com ele - é, apropriadamente, desprovida de sentimentalismo. Dr Johnson, em relação à tão polémica figura de Caliban falou da "gloominess of his temper and the malignity of his purposes" e Auden, colou-lhe a célebre frase , "the love nothing, the fear all". Claro que Caliban é um bruto e Ariel um espírito requintado mas ambos foram escravizados por Próspero, cada qual à sua maneira. É ainda Bloom quem faz notar que Próspero, ao contrário de Hamlet ( na peça infinita, do mesmo nome) que morre, dizendo que ainda teria muito mais para nos contar, diz "let it be" no final. As casas familiares estão finalmente arrumadas, ele regressa a Milão e retoma as rédeas do poder usurpado, casa a filha, perdoa aos inimigos e liberta os espíritos. Miranda não é a minha figura favorita em Shakespeare - parece tão etérea como os espíritos da ilha - mas cumpre o seu destino. Ariel, no seu amável e familiar pacto com Próspero, fornece a este último o apoio que é o oposto ao que Mefistófeles prodigaliza a Fausto e funciona como a chave para a compreensão da complexa personalidade de Próspero ( ajuda-o na sua "prosperidade")
Fontes: "Naufragius" de Erasmo, "Os Canibais" de Montaigne, "Metamorfoses de Ovídio, a commedia dell'arte italiana, entre outras.
Muito mais haveria para dizer. Mas o que interessa é ver a peça e ler os valiosos textos do Programa, como sempre muito informativo, com os ensinamentos de Luís Miguel Sintra e uma explicação excelente do porquê das suas opções, como encenador e actor. Uma palavra especial para a cenografia de Cristina Reis (deslumbrante), maravilhosamente acompanhada pelo desenho de luzes de Daniel Worm D’Assumpção. Gostei de ver actores muito jovens a contracenarem com o Mestre, com força e maturidade, gostei da música, do encantamento.
E não esqueçamos que os truques e a magia de Próspero são puro teatro dentro da peça, num palco - a ilha - que dá azo a todas as possibilidades.
De 12 de Março a 26 de Abril de 2009
Teatro do Bairro Alto, Lisboa
Terça a Sábado às 21:00h. Domingo às 16:00h
Duração do espectáculo 3:15h com intervalo de 15 min.

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