segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O Grande Gatsby... de novo


Surpreende-me sempre a perfeita construção de "O Grande Gatsby" de Scott Fitzgerald que foi agora reeditado – mais uma vez – em Portugal (Editorial Presença, 2011, tradução do grande José Rodrigues Miguéis.). Foi publicado em 1925, ainda no rescaldo do trauma provocado pela Iª Grande Guerra. Na sua aparente simplicidade – uma narrativa que flui sem adornos nem arroubos pessoais desnecessários – é uma poderosa crítica à sociedade americana com, por um lado, a sua ganância, brutalidade e desrespeito pelos seres humanos – no triângulo formado pelo casal Tom e Daisy Buchanan e pela "moderna" Jordan Baker – e, por outro, pela ingenuidade, falta de maturidade e ambição nas figuras de Jay Gatsby, Myrtle e George Wilson. Nick Carraway, o narrador que lutou na Guerra, mostra quão cínico e desencantado se pode ser em relação a uma sociedade que apesar de apregoar a democracia e a liberdade mantém a diferença de classes e não dá espaço aos que tentam atravessar a fronteira entre o grupo do "dinheiro antigo" e o do "dinheiro novo", geograficamente representados, no romance pelas duas zonas em Long Island, o East Egg e o West Egg. Nunca é demais repetir que "O Grande Gatsby" representa uma brutal machadada no "sonho americano" de prosperidade, bem-estar e liberdade. Aqui os pobres morrem, bem como o novo-rico que "ousou" sonhar alto. E os poderosos continuam com as suas vidas vazias, privilegiadas e confortáveis, arrogantemente alheios ao sofrimento que causaram.
Que Scott Fitzgerald consiga dizer tanto com tão parcos recursos narrativos, que seja capaz de aliar uma trama "realista" com uma linguagem densamente poética, que faça do dinheiro, da classe social, do amor e do orgulho temas definitivos e poderosos, é algo que consegue deslumbrar e interessar qualquer leitor. Nos Estados Unidos é uma obra estudada desde o secundário.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Stephen Crane


Começámos um novo Ciclo da Comunidade de Leitores na CULTURGEST.
Tema: o Medo. A primeira sessão – dia 19 Janeiro, 2010 - centrou-se na obra "A Insígnia Vermelha da Coragem" de Stephen Crane: uma análise dos efeitos da guerra – neste caso da Guerra Civil Americana – no comportamento humano. Henry Fleming é o jovem soldado a braços com sentimentos de cobardia, culpa e medo – e, claro, desejo de glória. O estilo de Crane foi apelidado de "naturalista", "realista", "impressionista" e "simbolista". No entanto, o que se discutiu com mais afinco foi a questão da guerra, do que é viver-se num tempo de "excepção" – no pior sentido – e nas reacções dos seres humanos quando confrontados com essa contingência. Falámos, também, do instinto de sobrevivência, do rito de passagem para a idade adulta imposto pelo conflito e da indiferença da Natureza face à loucura dos homens.
De notar que este livro foi considerado como tremendamente "realista" por todos os que viveram a Guerra. No entanto, Crane ainda não tinha tido qualquer experiência de batalhas – mais tarde, como jornalista, cobriu a guerra Hispano-Americana e as perturbações em Cuba. Mais tarde o escritor afirmou que conseguira descrever com exactidão o comportamento humano em situações de conflito por ter observado com cuidado o que se passa em jogos de futebol (americano). Crane nasceu em 1871 e morreu em 1900, tuberculoso. Para uma vida tão curta, a sua produção foi muito grande – bem como as vicissitudes da sua vida.
Edmund White escreveu um livro "Hotel de Dream. A New York Novel"(2007) com Crane como protagonista. Hotel de Dream era o hotel – e bordel – dirigido por Cora Taylor a mulher com quem Crane viveu até à morte.

Durante a sessão na Culturgest leu-se um poema de Crane - levado por um dos leitores - encontrado numa antologia organizada por Herberto Helder. O poema chama-se "Coração". Vermelho, é claro, como o resto da "Insígnia..."

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Nova Biografia de J.D. SALINGER


Salinger no Exército

Acabou de sair, nos Estados Unidos, a biografia de J.D. SALINGER por Kenneth Slawenski (Random House). Foi preciso que o autor de "À Espera no Centeio"morresse para se ouvir falar mais dele. Ainda não li esta obra mas espero ficar mais elucidada em relação a um autor excêntrico e recluso que escolheu viver fora dos circuitos literários e cuja obra é absolutamente notável. De acordo com os textos promocionais trata-se aqui de um retrato da sua vida e obra, incluindo relatos sobre a sua participação na IIª Grande Guerra que inspirou muitos dos seus contos. Slawenski também tenta explicar as contradições do escritor, as suas idiossincrasias e manias, a sua misantropia e personalidade complexa. A ler, claro.

domingo, 16 de janeiro de 2011

O próximo romance de Lídia Jorge


Será um vício quiçá punido por lei no futuro - espero que não!- esta minha alegre antecipação quanto a obras que estão prestes a ser editadas. Como se não tivesse já muito para ler - e continuo a achar que a morte seria absolutamente suportável se houvesse livros "do outro lado" - fico a "salivar" à espera do que aí vem.
Depois de ter escrito, aqui, sobre a programação da Porto Editora - e esqueci-me de mencionar o próximo livro de Pedro Almeida Vieira que deverá ser mais um romance histórico tão singular e apaixonante como os que o precederam - quero falar de uma obra que aguardo com bastante expectativa. Trata-se do próximo romance de Lídia Jorge, " A Noite das Mulheres Cantoras", a editar pela D. Quixote. O que me agrada na obra de Lídia Jorge é o facto de ela não se limitar aos temas que assolam a nossa - e muitas outras -Literatura (s) - abrangendo um universo alargado que transcende o que é local, nacional e "de género". Tal aconteceu com o magnífico "Combateremos a Sombra" e espero que aconteça com este que, de acordo com as palavras da sua editora Cecília Andrade, será sobre a "idolatria e construção do êxito". É um assunto que não pode estar mais na ordem do dia e, atrever-me-ia a acrescentar, na agenda das nossas vidas. Porque esta história do êxito tem muito que se lhe diga, é uma faca de dois gumes: em meu entender é positivo ter-se êxito "a partir de dentro", isto é, de acordo com as nossas vitórias seja lá no que nos propusermos fazer; mas o êxito procurado "de fora para dentro", rápido, fugaz e sem contrapartida real e forte - sem uma "reserva do tesouro" como nas finanças - baseado em sinais exteriores e acontecimentos superficiais será, a meu ver, efémero e até prejudicial. Estou bastante moralista, hoje, mas espero aprender com Lídia Jorge sobre o "êxito e a perda, sobre um equívoco e a passagem do tempo". O facto de se passar nos anos 80 - uma década onde se construiu o mundo destruído de hoje - ainda mais desperta a minha curiosidade.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Primeiro semestre de 2011 na PORTO EDITORA


Fotos: Howard Jacobson e Joyce Carol Oates
No passado dia 10 de Janeiro fui convidada, pela Porto Editora, para a apresentação da sua temporada editorial referente ao primeiro semestre deste ano (2011); seguiu-se um almoço muito simpático onde encontrei amigos - fiquei ao lado do Eduardo Pitta, de quem gosto muito - e conheci novos companheiros e companheiras destas lides. Houve muita conversa, trocaram-se mexericos singelos e inofensivos, comeu-se a sopa e o resto e, como seria de esperar, falou-se principalmente de Literatura. Os críticos e editores da Cultura são exigentes, caprichosos e muito - mas mesmo muito - ávidos de mais livros, mais e mais volumes, mais e mais frases, mais e mais palavras. (O que é óptimo). Discutimos autores e títulos de obras com o à-vontade de quem fala de velhos amigos ou de família e não nos coibimos, obviamente, de lançar uma palavra mais áspera sobre este ou aquele outro - alguns, por estarem já mortos não se devem importar minimamente! - sempre com um bom vinho no copo e interrompidos por um ou outro toque de telemóvel nos bolsos rapidamente revirados dos mais assoberbados pelo trabalho.
No que toca à temporada editorial - a razão principal deste texto - aproveito para referir, aqui, as minhas "apostas" ou "prognósticos" que, neste caso são "antes do jogo", exceptuando o último romance de Joyce Carol Oates "A Filha do Coveiro" porque já o li e é um espanto - a 15 de Fevereiro sairá nos Estados Unidos "A Widow 's Story" sobre a sua vida depois da morte do marido, em 2008 - e "A Questão Finkler" de Howard Jacobson que ganhou o último Booker Prize e que me deu tanto prazer a ler que até tenho vergonha de confessar. É hilariante, magistral e, embora já tenham colado um rótulo ao senhor - o Philip Roth inglês - parece-me que ele se valerá a si próprio. Sai em Fevereiro, creio eu, e espero ter a oportunidade de falar mais sobre esta obra.
De resto, estou ansiosa por ler "O Ar que Respiras" de Maria João Martins - até porque a autora teve a simpatia de me convidar para o apresentar - e porque a história está ligada à poeta Elizabeth Barrett Browning, uma das senhoras vitorianas que habitam o meu espaço.
E ainda: "Os Demónios de Berlim", um romance histórico passado na IIª Grande Guerra de Ignacio del Valle e o livro de Rubem Fonseca "Bufo e Spallanzani" bem como "Room" de Emma Donoghue que ainda não li mas que já tenho cá em casa - não sei se consigo esperar pela edição portuguesa que só chegará no fim da Primavera.
Claro que há muitos mais títulos , para todos os gostos e idades, como se diz. Mas, por enquanto ficar-me-ei por aqui.




quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O "realismo histérico" de Jonathan Franzen


De Jonathan Franzen li "CORRECÇÕES", em português - edição D. Quixote - e "FREEDOM" em inglês, enquanto não chega às livrarias a edição portuguesa. Estou a escrever sobre o autor que muito tem dado que falar. Na linha desse meu trabalho, tenho mergulhado na leitura das críticas e deparei-me com uma classificação - provavelmente já por demais conhecida dos meus companheiros e companheiras das recensões e dos blogues - que me parece interessante. Não sei se foi a poderosa Michiko Kakutani do New York Times ou qualquer outro "guru" das tendências literárias que cunharam as obras de autores como Don DeLillo, Denis Johnson e o suicidário David Foster Wallace como parte do novo "Realismo Histérico", um termo amplamente discutido nos vários orgãos competentes.
Fico a pensar no que dirá Harold Bloom desta "nouvelle vague".

"Um Traidor dos Nossos" John LeCarré




Acabei de ler o último romance de le Carré - isto é, do senhor David Cornwell - e escrevi um texto sobre este livro para o Ípsilon - Público. (Não sei quando sairá mas avisar-vos-ei). "Um Traidor dos Nossos" mostra a grande maestria do autor, o seu humor negro e uma espécie de desespero "filosófico" perante o barulho do mundo. Le Carré não poupa nada nem ninguém: a conivência dos governos, das entidades reguladoras e dos chamados "impérios financeiros" com as máfias e o submundo - tendo em vista lucros cada vez mais astronómicos - a ingenuidade dos "idealistas" e a indiferença geral da população perante as manigâncias do poder. É um livro amargamente cómico e alegremente trágico. A edição é da D. Quixote, Lisboa, 2010. Tradução de J. Teixeira de Aguilar.

Aqui fica uma pequeníssima passagem.

Diz Hector a Perry: (pág. 123) - sobre os Serviços Secretos britânicos:
" Sabemos o que o senhor pensa de nós. Alguns de nós pensamos o mesmo, e temos razão. O problema é que somos a única coisa que se aproveita. O governo é uma desgraça e metade do funcionalismo público não mexe uma palha. Os Negócios Estrangeiros têm tanta utilidade como uma viola num enterro, o país está de tanga e os banqueiros ficam-nos com o dinheiro e fazem-nos um manguito. Que havemos nós de fazer? Queixinhas à mamã, ou consertar as coisas?"

Haverá algo que soa familiar, neste cenário?
E quem diz que "conserta" as coisas será de fiar?