quinta-feira, 4 de outubro de 2012



Comunidade de Leitores. É HOJE.
Na CULTURGEST, vamos sondar os mistérios de A VIAGEM (The Voyage Out) de Virginia Woolf, o seu primeiro romance, escrito e reescrito, vezes sem fim. O mais violentamente feminista de todos os seus romances, aquele em que VW se lançou na perigosa viagem da escrita... e da loucura.
Viria a ser publicado pela primeira vez, em 1915, em Inglaterra, mas começou por rascunhos delineados entre 1906/07. Em 1910, surgiu a primeira versão – não publicada – intitulada “Melymbrosia.” Pelo meio, houve mortes trágicas, surtos depressivos, internamentos e tentativas de suicídio. Virgínia começou o livro como jovem mulher, que ainda não se casou e que carrega já vários traumas, e terminou-o no regresso de uma lua-de-mel onde todos os seus receios de concretizam – medo da intimidade, estranheza em relação ao ser masculino, sentimento de perda.
Um romance sobre o casamento e os seus perigos - como contraponto a Jane Austen, sombra tutelar de Virginia.
De notar que este romance é uma espécie de resposta a "Coração das Trevas" de Joseph Conrad, autor muito admirado por Virginia Woolf. Curioso, também, o facto de Leonard Woolf ter publicado "A Village in the Jungle" antes de A Viagem.
Nas imagens: Virginia e Virginia e Leonard, no dia do seu casamento. A escritora snob, a intelectual insegura e o seu "penniless Jew".

quinta-feira, 20 de setembro de 2012


A reflexão de MIGUEL TORGA sobre a "descolonização" vem a propósito da leitura, marcada para hoje - início da nova COMUNIDADE de LEITORES, na CULTURGEST - de O RETORNO, de Dulce Maria Cardoso, ed Tinta da China, um extraordinário romance que relata o regresso dramático da então colónia de Angola, em 1975, de cerca de um milhão de pessoas - ou meio milhão - e a iniciação de um jovem de quinze anos num novo/velho mundo. Estes acontecimentos marcam, simbolicamente, o fim do Império - como hoje em dia assistimos ao fim do País. Mas agora não há lugar para retornos, apenas lugares de fuga.

Escreve Miguel Torga ..."Retorno maciço dos portugueses do Ultramar. Na aflição da fuga, até de barco de pesca vieram muitos, a ponto de alguém dizer que fomos descobrir o mundo de caravela e regressámos dele de traineiras. A fanfarronice de uns, a incapacidade de outros e a irresponsabilidade de todos deu este resultado: o fim sem grandeza de uma aventura. Metade de Portugal a ser remorso da outra metade. Os judeus da diáspora ansiavam por regressar a Canaan. Povo messânico também mas de sentido exógeno, para nós o regresso é o exílio. A nossa Terra Prometida estava fora de Portugal.

--- MIGUEL TORGA, Diário XII, 3ª edição revista

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

COMUNIDADE de LEITORES, CULTURGEST, Lisboa


Programa da próxima COMUNIDADE de LEITORES, CULTURGEST, Lisboa.
Inscrições em www.culturgest.pt

"As viagens são os viajantes"
Bernardo Soares

Viajar e “fazer turismo” são atividades diferentes, embora partilhem o mesmo impulso físico, as mesmas alegrias e, por vezes, as mesmas agruras e privações. Mas se é verdade que as primeiras viagens se fizeram por necessidade absoluta – os nossos longínquos antepassados seguiam o rastro dos alimentos, fugiam de condições atmosféricas adversas, procuravam abrigo e comida onde lhes era mais propício – o turismo nasceu com a Revolução Industrial e com a “invenção” do conceito de lazer, algo inconcebível antes do século XIX. No entanto, o anseio de viajar tem raízes mais complexas e serve de metáfora da própria existência: à roda do quarto (como de Maistre) ou em paragens longínquas, por razões económicas (descoberta de novos lugares e de novas abastanças), políticas (espionagem, diplomacia), militares (conquistas, ocupação de território), religiosas (peregrinações, cruzadas), ou culturais (a partir do século XVIII, o “Grand Tour” tornou-se uma obrigação para o ritual da aprendizagem), o ato de partir, de procurar, de encontrar (ou não) é ânsia para muitos e maldição para alguns. Nesta Comunidade percorreremos os espaços de iniciação com Woolf e acompanharemos viagens de doloroso (re)conhecimento na obra de Dulce Maria Cardoso e na de Conrad – em direções opostas.
Theroux é de opinião que os turistas nunca sabem onde estiveram e os viajantes nunca sabem para onde vão, como bem demonstra na sua epopeia pela Índia e Chatwin, o grande vagabundo, cria, em Utz, um estranho não-viajante. Com Garrett e a viagem “novelística” fecha-se este ciclo de leituras, durante o qual tentaremos detetar as causas – curiosidade, inquietação, desejo, fuga, aprendizagem, emoção, antídoto contra o medo – e os efeitos das deambulações dos grandes e eternos inquietos. Mark Twain afirmou: “não existe nada mais prejudicial para o preconceito, para o fanatismo e para a intolerância do que as viagens”. Não podia ter mais razão. Viajemos, então, pelas palavras.

20 de setembro
O Retorno, Dulce Maria Cardoso, Ed. Tinta-da-China

4 de outubro
A Viagem, Virgínia Woolf, Ed. Presença

8 de novembro
Coração das Trevas, Joseph Conrad, Ed. Relógio D’Água
[ler também a Ode Marítima de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)]

22 de novembro
Utz, Bruce Chatwin, Ed. Quetzal

6 de dezembro
O Grande Bazar Ferroviário, Paul Theroux, Ed. Quetzal

20 de dezembro
Viagens na Minha Terra, Almeida Garrett (qualquer edição)

Travelling and tourism are different activities, despite sharing the same joys and disappointments. While people first travelled out of necessity, tourism is based on the idea of “leisure”. The wish to travel can, however, be a metaphor for life itself. In this Community of Readers, we take our first steps with Woolf and move on to Dulce Maria Cardoso, Conrad, Theroux, Chatwin and Garrett, seeking to find why they travelled. Mark Twain said: “Travel is fatal to prejudice, bigotry, and narrow-mindedness”. How right he was! So, let us travel through words.

sábado, 4 de agosto de 2012

GORE VIDAL, O SENTIDO da HISTÓRIA

O SENTIDO DA HISTÓRIA
In Jornal Público , 2009




Gore Vidal e o seu companheiro de mais de 50 anos, Howars Austen, têm já duas campas reservadas, lado a lado, no cemitério de Rock Creek, em Washington. Nas respectivas pedras estão gravados os nomes e as datas de nascimento, 1925 e 1928, respectivamente, com um hífen à frente e o espaço para colocar as datas finais. Nesse mesmo cemitério está enterrado Jimmie Trimble, que morreu com 20 anos em Iwo Jima e foi o grande amor de Vidal, a inspiração para o seu romance homoerótico “A Cidade e o Pilar”, publicado em 1948, que lhe deu fama e proveito, alguns dissabores e muita notoriedade. Este detalhe, aparentemente sem importância, ajuda a compreender a forma como Vidal encara a sua própria história. Quando se fala deste autor, hoje em dia, é impossível evitar a referência a um certo numero de informações e características que se lhe colam à pele como um fato de bom corte, permanentemente usado e renovado. Ele é uma espécie de último moicano, um guerreiro em luta por uma interpretação da História à margem da manipulação dos “media” e em permanente confronto com o lugar comum e a opinião publica. As suas origens, o seu percurso, a sua energia, a sua ironia, as suas preferências sexuais, a lista de notáveis que ele conta entre os seus amigos (e inimigos) fazem dele notícia permanente, algo que certamente o irrita e delicia, simultaneamente. O seu sucesso deve-se, como o de Andy Wharol por exemplo, ao facto de ter sabido sempre misturar a “low” com a “high culture”, a elegância de um grande senhor com o vigor de um combatente. Os seus livros torrenciais, delirantes, majestosos e sempre controversos, falam de sexo, violência, corrupção, dinheiro e poder, conceitos que tendem a fascinar e, ao mesmo tempo, assustar as pessoas. Vidal tem feito muito cinema e televisão e sabe o que cativa audiências, usando e abusando do humor para fazer as suas vitríolocas críticas à sociedade contemporânea e ao poder estabelecido. Gosta de dizer que ele e Noam Chomsky são os únicos radicais da América, onde 90% da população pertence ao status quo, isto é, são gente que apenas se preocupa em “construir carreiras”. Ele prefere repensar a História e contestar tudo o que já foi dito. A política é uma das suas paixões, algo que ele herdou do avô, o senador cego, T.P. Gore que caiu em desgraça durante a administração Roosevelt, criava galinhas nos terrenos da casa em Rock Creek Park, onde Vidal viveu até aos dez anos, e chegou a ser julgado (e ilibado) por tentativa de violação na pessoa de “uma tal Minnie Bond”, num hotel em Washington. T.P. ou “Dah”, como lhe chamava o neto, casou com Nina por gostar de lhe ouvir a voz, ignorando o facto de ela ser alcoólica, uma característica herdada pela detestada mãe de Vidal. (“Tenho que admitir que, para uma criança, a única vantagem de ter uma mãe alcoólica é que tem acesso, prematuramente a muitas informações preciosas” Gore dixit) O senador Gore, que inculcou no neto o “sentido da honra” e a admiração pela coragem pessoal, ensinou-lhe também como navegar nas águas turvas da política e transmitiu-lhe o sentimento de que pertencia a um diminuto grupo de seres de excepção numa sociedade que se considerava democrática. Vidal diz que herdou” a capacidade de detectar as notas falsas nas árias com que os guardadores de rebanhos embalam as nossas ovelhas”, querendo dizer com isso que rejeitou sempre as demagogias e nunca embarcou em promessas vãs.
Gore nasceu em 1925 na Academia de West Point, onde o pai, um homem que foi dono de companhias de aviação (e impulsionador da TWA, Eastern e Northeast Airlines) e o grande amor de Amelia Earhart, era instrutor de voo. Em “Palimpsest”, um livro de memórias publicado em 1997, fala detalhadamente do pai e da mãe, dos laços familiares que o ligavam a John e Jackie Kennedy e das suas inúmeras amizades, entre as quais se contavam Tenesse Williams, (The Glorious Bird) com quem partilhou um apartamento em Paris, Truman Capote, Jack Kerouac, com quem passou uma noite de sexo “inexplicável” no Chelsea Hotel, Peggy Guggenheim, Paul Bowles, Marlon Brando e outros grandes deste mundo.
Presentemente, Gore vive grande parte do ano na sua villa encravada num penhasco sobre o mar Tirreno perto de Ravello, uma cidade italiana por onde passaram Gide, D.H e Frida Lawrence, Maynard Keynes e Lytton Strachey e onde Stokowski e Greta Garbo tiveram um “ninho de amor”. (Vidal conta-se entre as atracções turísticas da terra e é mencionado nos guias como, “uma das antiguidades, com Pompeia, a não perder”.) O cenário que desfruta das suas janelas agrada-lhe particularmente, uma vez que lhe recorda o mundo clássico pagão, hedonista e iconoclasta que ele admira e recorda com certa nostalgia. (Em 1964 publicou “Julian”, a história do imperador romano apóstata que tentou restaurar o paganismo). Com Austen, recebe os seus inúmeros e célebres convidados com a grandeza e simplicidade de um verdadeiro sibarita. Vidal gosta de lembrar Montaigne e a ligação deste com Étienne de la Boétie que lhe recorda a sua situação com Austen com quem afirma não praticar o sexo, sendo esse o segredo do sucesso da união. O seu amor de adolescência por Jimmie Trimble, que morreu com dezassete anos, foi absolutamente físico. Mas esse ideal de juventude ficou para sempre enterrado nas areias de Iwo Jima e Vidal gosta de especular, um pouco misteriosamente, sobre as relações que manteve com Anaïs Nin e Diana Lynn, sem esquecer o “choque erótico” que sentiu quando a sua perna roçou a de Jackie Kennedy, num passeio de barco. (“Não se passou nada” afirma ele, laconicamente, em Palimpsest).
Agora, ao falar de sexo, prefere lembrar a frase de Sócrates, quando este afirmou que, com a idade “estava finalmente livre desse amo insano e cruel.” E acha que “nunca se deve ter sexo com amigos mas sim com perfeitos estranhos”. Uma fantasia muito cinematográfica. A sua ligação com Hollywood leva-o a manter uma outra casa, em Los Angeles, onde vai regularmente para estar com os amigos, Paul (Newman) e Joanne (Woodward), cujo casamento apadrinhou. (Tem outro afilhado, o filho de Tim Robbins e Susan Sarandon). E é importante não esquecer que ele assinou os guiões de filmes como “Ben-Hur”, “Paris já está a arder?”, ”Bruscamente no Verão Passado ”, o que, definitivamente o coloca entre as glórias da Meca do cinema.
Vidal que já foi candidato democrata ao Congresso dos E.U.A com o slogan “Get more with Gore” é uma velha raposa da política e um crítico acerbo, com opiniões que nem sempre lhe trazem popularidade. É decididamente contra a política externa americana e chegou a expressar toda a sua hostilidade em relação à participação do seu País na ultima Grande Guerra. O “Smithsonian Institution” que vai agora ser publicado em Portugal, é um manifesto contra a vocação imperial americana e uma sátira mordaz às teorias dos seus defensores.
“The Smithsonian Institution”, (um livro cuja capa, na edição americana, é absolutamente “camp”, esperando-se que seja mantida pela edição portuguesa) é uma mistura delirante de géneros como a ficção científica, o romance histórico, a sátira política e, neste caso velada, autobiografia, em que toda a experiência e conhecimentos do autor sobre o confuso mundo da política é utilizado em pleno com um resultado nem sempre esclarecedor mas decididamente divertido e perturbante. A acção tem início durante o período da Páscoa, no ano de 1939, mais propriamente na Sexta-Feira Santa, “ quando as nuvens negras da guerra se amontoam sobre a Europa” e a América está prestes a pôr em marcha toda a sua política imperialista. Um jovem prodígio de 13 anos, especialista em matemáticas e física quântica, cujo nome é tão misterioso como a sua missão, aluno de St Albans que, por sinal, era a escola de Gore Vidal, o lugar onde também conheceu Jimmie Trimble, é chamado a comparecer no Smithsonian, o complexo de museus e laboratórios na capital dos Estados Unidos. Esse local, aparentemente deserto quando não há visitantes, guarda a chave de inúmeros segredos. Quando as portas se fecham sobre T., ele descobre que as figuras históricas de cera do museu ganham vida própria, dedicando-se a várias actividades. T. penetra nessa estranha dimensão e inicia uma viagem que mais parece um jogo de computador, com saltos no tempo e a possibilidade de intervir nos acontecimentos. É recebido por uma das Primeiras Damas, Mrs. Benjamin Harrison, que o inicia nesse mundo onde "nada é o que parece", para, logo de seguida ser quase comido por Índios Iroqueses que se tornaram canibais. Por essa altura, conhece uma bela squaw, bastante mais velha que ele com quem vive uma experiência erótica muito satisfatória e que se revela ser, noutra sala e noutra dimensão, a mulher do Presidente Grover Cleveland ( uma democrata entre Republicanos), e que o acompanha em aventuras como caças ao bisonte e às baleias. T. passa também por momentos em que toma chá com Primeiras Damas mortas há muito, que o entretêm com as ultimas informações e o “gossip” da Casa Branca. No departamento dedicado à aeronáutica, encontra Charles Lindberg que o transporta no Spirit of St Louis. Entretanto, Abraham Lincoln, transformado num meio idiota pela bala que o atingiu na cabeça, passa o tempo a redescobrir a sua própria identidade pela leitura da biografia escrita por Carl Sandburg, o que piora bastante o seu estado de espírito.
T., que tem o dom de visualizar complicadas operações matemáticas, é notado por J. Robert Oppenheimer e envolvido no projecto Manhattan, ajudando na preparação de uma Bomba. ( A, H, de Neutrões?). (Numa exposição militar vê-se a si próprio, no futuro, morto no dia 1 de Março de 1945). O seu nome que pode ser, tanto a inicial da palavra Tempo, como a do nome de Trimble ( de Jimmy), carrega um significado muito caro a Vidal, a ideia de um todo harmonioso que ele refere em “Palimpsest” quando recorda o “Symposium” de Platão, no qual, pela boca de Aristófanes, fala da teoria dos três sexos, macho, fêmea e hermafrodita, divididos pelos deuses e em perpétua busca de uma reunificação.
T. refere também a ideia do sacrifício pessoal e da responsabilidade política e “tenta dar um sentido à História” e é por isso que quer contrariar o curso dos acontecimentos e evitar, assim, duas guerras atrozes. O mais interessante é que ele consegue levar avante os seus intentos e intervém no passado, (Hitler passa a ser um arquitecto que tinge os cabelos de loiro, por exemplo), mas com consequências que não se podem classificar de “ideais”. T. , ao fazer o papel de Deus, o que se revela complicado e muito perigoso, navega nos meandros vertiginosos do tempo T. para salvar o mundo, os seus clones e a sua própria vida. Um encontro final com um alguém que dá pelo nome de Walt ( Disney) pode contribuir para um reajuste de (ir)realidades.
Para Vidal “os americanos estão a tornar-se animais domésticos” e já têm um Big Brother numa sociedade com um controle muito apertado. Em sua opinião, os E.U.A são uma oligarquia, em que o poder verdadeiro está na mão de cerca de 1% dos seus habitantes. Os pontos nevrálgicos, a informação, a educação e o “entertainment” são regidos por essa minoria. É um país onde “põem as crianças a engolirem a doutrina do consumismo e não lhes ensinam nada sobre os valores de cada país. Na América toda a História que é ensinada às crianças é deturpada.” Vidal, ao longo da sua obra, tem comentado com minúcia as correntes que perpassam por Washington D.C. Depois da Guerra, com o New Deal de Roosevelt e a Guerra Fria, os Estados Unidos assumiram-se como super potência imperial, afastando-se da sua vocação mais dirigida para uma política interna equilibrada e “livre”.
Vidal põe à prova, neste livro, todo o seu talento de satirista, com resquícios de ilusionista e malabarista para nos transmitir as suas ideias sobre a política, o sexo e a História, numa viagem amaldiçoada pelos acontecimentos mais importantes dos últimos tempos, sem esquecer nunca o rancor contra aqueles que, ao provocarem guerras sangrentas, cercearam a vida de muitos, sem que disso se tivesse tirado qualquer proveito. Vidal nunca esquece o seu amor de juventude e a sua própria experiência na guerra. E responsabiliza a política do seu País por essas perdas, sem possibilidade de redenção. Toda a sua obra é o espelho dessa revolta e um libelo contra o conformismo.


Morreu GORE VIDAL



Na imagem: Gore Vidal, Tennesse Williams, JFK


Entrevistei Gore Vidal, em Lisboa, para o Jornal Público, em finais dos anos noventa. Aqui fica, de novo, essa conversa:



VIDAL, O MAGNÍFICO




Gore Vidal nasceu em 1925 na Academia de West Point, faz parte da “nobreza” norte-americana e intitula-se o “biógrafo oficial” do seu país. Do avô, o senador cego Thomas Gore, herdou a habilidade para escrever e um fascínio pelo poder. Em 1948, a publicação de “The City and the Pillar”, um romance abertamente homossexual, valeu-lhe uma fama pontuada por controvérsia. Em “Palimpsest”, um livro de memórias publicado em 1997, fala do pai, piloto e director de uma companhia de aviação que foi o grande amor da vida de Amelia Earhart, da mãe, uma “socialite” que ele detestava, dos laços familiares que o ligavam a Jackie Kennedy e a “Camelot” e das suas inúmeras amizades, entre as quais se contaram Tenesse Williams, (The Glorious Bird) com quem partilhou um apartamento em Paris, Truman Capote, Jack Kerouac, com quem passou uma noite de sexo “inexplicável” no Chelsea Hotel, Peggy Guggenheim, Paul Bowles, Marlon Brando e outros grandes deste mundo.
Habita uma villa num penhasco sobre o mar Tirreno perto de Ravello, uma cidade italiana por onde passaram Gide, D.H e Frida Lawrence, Maynard Keynes e Lytton Strachey e onde Stokowski e Greta Garbo tiveram um “ninho de amor”. O cenário é o de um mundo clássico pagão, hedonista e iconoclasta que Vidal admira e recorda com certa nostalgia. (Em 1964 publicou “Julian”, a história do imperador romano apóstata que tentou restaurar o paganismo). A sua ligação com Hollywood leva-o a manter uma outra casa, em Los Angeles, onde vai regularmente para estar com os amigos, Paul (Newman) e Joanne (Woodward), cujo casamento apadrinhou. Tem outro afilhado, o filho de Tim Robbins e Susan Sarandon.
Gore Vidal e o seu companheiro de mais de 50 anos, Howars Austen, possuem já duas campas reservadas, lado a lado, no cemitério de Rock Creek, em Washington. Nas respectivas pedras estão gravados os nomes e as datas de nascimento, 1925 e 1928 respectivamente, com um hífen à frente e o espaço para colocar as datas finais. Nesse mesmo cemitério está enterrado Jimmie Trimble, que morreu com 20 anos em Iwo Jima e foi o grande amor de Vidal, a inspiração para o “A Cidade e o Pilar”, que lhe deu fama e proveito, alguns dissabores e muita notoriedade. Este detalhe, aparentemente sem importância, ajuda a compreender a forma como Vidal encara a sua própria história.
Vidal tem feito muito cinema e televisão e sabe o que cativa audiências, usando e abusando do humor para fazer as suas vitríolocas críticas à sociedade contemporânea e ao poder estabelecido. Gosta de repensar a História e contestar tudo o que já foi dito, sendo a política uma das suas paixões, algo que ele herdou do seu avô que criava galinhas nos terrenos da casa em Rock Creek Park, onde Vidal viveu até aos dez anos, caiu em desgraça durante a administração Roosevelt e chegou a ser julgado (e ilibado) por tentativa de violação na pessoa de “uma tal Minnie Bond”, num hotel em Washington. T.P. ou “Dah”, como lhe chamava o neto, casou com Nina por gostar de lhe ouvir a voz, ignorando o facto de ela ser alcoólica, uma característica herdada pela detestada mãe de Vidal. (“Tenho que admitir que, para uma criança, a única vantagem de ter uma mãe alcoólica é que tem acesso, prematuramente a muitas informações preciosas” Gore dixit ) O senador Gore, que inculcou no neto o “sentido da honra” e a admiração pela coragem pessoal, ensinou-lhe também como navegar nas águas turvas da política e transmitiu-lhe o sentimento de que pertencia a um diminuto grupo de seres de excepção numa sociedade que se considerava democrática. Vidal diz que herdou “a capacidade de detectar as notas falsas nas árias com que os guardadores de rebanhos embalam as nossas ovelhas”, querendo dizer com isso que rejeitou sempre as demagogias e nunca embarcou em promessas vãs.
Em Lisboa, na Fundação Gulbenkian, com o seu humor corrosivo habitual, perante uma audiência numerosa e cúmplice que batia palmas e ria educadamente nos momentos certos, baseou a sua conferência na classificação de Giambattista Vico, um filósofo napolitano (1668-1744) que dividiu a nossa civilização em três fases cíclicas, a teocrática, a aristocrática e a democrática, às quais se seguiria o caos. Deste emergiria uma nova era teocrática e iniciar-se-ia um novo ciclo. A História, as suas incongruências e absurdos, é um campo fértil para o exercício do pensamento deste homem que, em “Palimpsest”, um “romance de amor”, se define com alacridade como alguém que “… devido a uma fria natureza e à recusa em conformar-se com os calorosos valores familiares, (está) condenado a ser o eterno “outsider”, alguém que não se deixa apanhar pelas armadilhas do “sistema”.


Helena Vasconcelos: Na Gulbenkian, como em muitos outros lugares, há sempre multidões a ouvirem as suas palavras. Qual a sensação de ser tratado como um ícone pop, como uma espécie de Madona do pensamento? Como é que se sente, rodeado de todo este “som e fúria”.
Gore Vidal : (Risos). É um fenómeno que acontece em todos os países. Não compreendo as multidões. Não me considero um autor popular, não sou o Stevie (Stephen King)…



H.V. : A razão do seu sucesso tem a ver com o facto de os seus livros terem como tema o sexo, a violência, a corrupção, o dinheiro, o poder, o cinema, conceitos que fascinam e assustam pessoas e que são a base da nossa sociedade?
G.V. Os meus livros não são “romanzi di consumo” mas tenho feito muito cinema e televisão e escrevo sobre assuntos que interessam às pessoas. Não sei como, generalizou-se a ideia de que tenho muita graça.


H.V. : Quer dizer que usa e abusa do humor para fazer críticas violentas, como por exemplo em “Myra Breckinridge”?

G.V. Limito-me a dizer o que penso, e acho que penso verdadeiramente, o que é uma combinação rara. As figuras públicas são uma fraude, só dizem disparates e, na realidade, ninguém as quer ouvir. Noam Chomsky que, tal como eu, é um dos poucos radicais da América, tem razão, apesar de ninguém o perceber, quando diz que a direita e a esquerda são termos que já não têm sentido, tal como o socialismo. Noventa e nove por cento da população pertence ao status quo, são pessoas que constroem carreiras. O resto são os tais radicais, com atitudes preconizadoras de mudanças radicais, que dizem qualquer coisa que pode ter interesse. É por isso que, mesmo sem saberem porquê, as pessoas vêm ouvir-nos.




H.V. : Chomsky fala do poder da linguagem e tem referido, sistematicamente, a manipulação das pessoas pelos “media”…

G.V. Chomsky é sistematicamente boicotado no Estados Unidos onde há uma censura tão severa como nos outros países, ao mesmo tempo que se proclama a existência de liberdade para se dizer e escrever o que se quer. Tudo isto é verdade, como é verdade que há liberdade para não se publicar determinadas coisas ou de não se deixar certas pessoas aparecerem na televisão. Ou, melhor ainda, há a liberdade de ridicularizar pessoas e ideias. É por isso que não gosto da imprensa. Têm todas as razões para nos tornarem grotescos, para que não sejamos ouvidos. O “New York Times” nunca entrevistou o Chomsky e, como represália, eu nunca deixei que eles me entrevistassem a mim…




H.V. : É uma espécie de guerra?

G.V. Sim, uma guerra que já dura há cinquenta anos, desde 1948.




H.V. : Para os conservadores é considerado um perigoso revolucionário, para os mais progressistas um perfeito reaccionário. É divertido, para si, ser julgado desta maneira ?

G.V. Essas pessoas não estão a pensar, estão apenas a responder de uma forma emotiva. Dizem frases como por exemplo “somos todos iguais” , “temos de amar o nosso semelhante” mas depois, não há lugar nenhum do mundo em que as pessoas não façam coisas terríveis umas às outras e quanto pior fazem, mais cacarejam estas frases…




H.V. : E quanto à acção de uma Madre Teresa de Calcutá, por exemplo?

G.V. (Risos). O Christopher Hitchens apelidou-a de “Hell’s Angel”. Não havia nenhum ditador que ela não amasse profundamente. Tudo o que ela queria era apanhar pessoas nas ruas e torná-las cristãs. Depois, esperava que morressem o mais rapidamente possível.




H.V. : Bem, isso é normal porque ela, como católica, com certeza que achava que eles estariam muito mais felizes no céu.

G.V. Evidentemente





H.V. : O seu ultimo livro, “The Smithsonian Institution”, cuja capa é verdadeiramente “camp”…

G.V. A capa funciona como uma piada.




H.V. : Parece Scarlet O´Hara, com Tara a arder no horizonte, a ser vampirizada em primeiro plano por um surfista…

G.V. (Risos) Ele tem 13 anos. É pura pedofilia. A rapariga é a mulher de Grover Cleveland, que foi presidente dos Estados Unidos nos finais do século XIX. O seu retrato faz parte da galeria das mulheres dos presidentes. Na história, à noite, os retratos ganham vida e o rapaz, que trabalha como físico nuclear em 1939, (é um génio, especialista em física quântica,) fica lá trancado. Têm um caso amoroso e o Presidente Cleveland não se importa porque tem duas mulheres.




H.V. : O herói fala do sacrifício pessoal e da responsabilidade política e “tenta dar um sentido à História”. É essa a sua preocupação, neste momento?

G.V. É sempre essa a minha preocupação.




H.V. : No princípio dos anos noventa publicou um livro intitulado “Hollywood” e disse que era uma história acerca de Washington D.C. Essa analogia tinha a intenção de definir o poder, nos Estados Unidos, como uma fantasia, semelhante à produzida pela Meca do cinema?

G.V. (Risos) Gosto dessa interpretação. Mas o que eu quis foi estabelecer um paradoxo e aquilo a que chamei “Hollywood” era na realidade acerca de política e consequentemente sobre Washington D.C. Reportava-se aos primeiros tempos de Hollywood e à forma como, em determinada altura, Washington utilizou Hollywood e vice-versa.




H.V. : Refere-se à administração Kennedy? Ou à de Reagan quando essa promiscuidade atingiu o auge?

G.V. Foi muito antes disso. O Reagan não era nada. Claro que ele utilizou os métodos de propaganda que todos os usam só que ele os aprendeu melhor do que ninguém. O John Travolta, no começo de carreira, jantou um dia com um amigo meu à mesma mesa, um editor que, posso dizer, não estava nada entusiasmado com a ideia de ter ao seu lado aquele miúdo de New Jersey. Pensou que o jantar ia ser uma chatice e que não teria assunto de conversa. Finalmente, para quebrar o silêncio, virou-se para o Travolta e perguntou-lhe qualquer coisa do género, “ o que é que tencionas fazer quando cresceres e tudo isto acabar ” e o Travolta respondeu calmamente, “estou a pensar em entrar para a política”. O meu amigo ficou surpreendido e disse-lhe que não fazia a mínima ideia de que ele estivesse interessado em política, ao que o Travolta respondeu, “bem, eu não estou propriamente interessado, mas tenho observado os políticos na televisão e eles fazem exactamente o mesmo que eu, só que eu faço-o dez vezes melhor”.




H.V. : O que mostra que ele não é nada parvo…

G.V. Nada. Quando a Emma Thomson me perguntou como é que ele era, porque ia trabalhar com ele e eu lhe contei esta história, ela fartou-se de rir e percebeu perfeitamente a ideia .




H.V. : Em seu entender, Hollywood criou o sonho de uma Nação para os americanos. Todo o imaginário épico, todos os heróis, partiram do cinema.

G.V. Não há outro remédio, o cinema cria heróis, é um fenómeno universal que, realmente, começou na América embora os franceses gostem de dizer que se anteciparam. Mas nós arrebatámos o mundo e fornecemos sonhos, ideias e “ideias-lismos”. Uma vez estive num programa de televisão com a Lillian Gish, a primeira grande estrela de cinema e ela estava a falar dos seus filmes do tempo do mudo com D.W. Griffith e de repente disse, “nós tivemos o mundo nas mãos e perdemo-lo com os “talkies”” e eu retorqui, “como é possível fazer uma afirmação dessas se a maior parte dos grandes filmes são falados e já ninguém vê os filmes mudos” e ela respondeu, “pois é exactamente isso, as pessoas já não sabem ver. Dantes, toda a gente, qualquer camponês na China me conhecia e conhecia Charlie Chaplin e qualquer intelectual em Paris falava de mim e do Charlie Chaplin. Com o sonoro, os filmes tornaram-se nacionalistas, tiveram de ser dobrados ou traduzidos e há muita gente que não consegue ler as legendas.” E eu disse, “tudo isso está muito bem mas os filmes continuam a conquistar o mundo”, ao que ela respondeu: “Pode ser que sim, mas já não são PUROS”.




H.V. : O seu amigo Isherwood teve aquela expressão , “ I am a camera”. Será que ele queria desempenhar esse papel de recuperação da pureza perdida ?

G.V. Não, ele queria dizer que ia ser uma espécie de gravador de imagens, um registo das vidas das pessoas e que não iria manipulá-las para além daquilo que ele testemunhasse o que, evidentemente, é impossível.




H.V. : Tal como Faulkner e Fitzgerald também escreveu para o cinema. “Ben Hur” foi um dos seus filmes. Gosta de ser argumentista ou prefere a ficção?

G.V. Fazer filmes é muito divertido. É preciso lembrar que os realizadores não são auteurs.




H.V. : Mas na Europa, em França, por exemplo, há realizadores-autores…

G.V. Não, não há, nem mesmo em França. Há realizadores que também escrevem umas coisas. Há aí um mal entendido mas os franceses são peritos em mal-entendidos. Os grandes filmes devem o seu sucesso a quem escreve. São os argumentistas que têm uma ideia, que constroem o diálogo, que criam os personagens. Em Hollywood costumávamos dizer que os realizadores eram os cunhados dos directores dos estúdios. Depois, nos anos cinquenta, deu-lhes para se considerarem auteurs, convenceram-se que tinham um estilo próprio e nem sequer faziam referência aos escritores. Howard Hawks, Nicholas Ray, (que era um grande amigo meu e um dos piores realizadores que conheci), tinham aquela ideia do estilo, que não era mais do que o espelho das suas limitações, o que sabiam fazer mal repetido vezes sem conta. Por exemplo, tudo o que é cheio de sentimentalismo e bastante estúpido é, seguramente, de Frank Capra. Um dos poucos verdadeiros “auteurs” é Woody Allen que escreve, dirige, produz, representa. O mesmo acontecia com Orson Welles.




H.V. : E François Truffaut ?

G.V. Não gosto dos filmes dele, era demasiado sentimental. Mas concordo, ele era um “auteur” mas nunca conseguiu interessar-me com aquelas historietas de rapazes e raparigas de uma banalidade terrível. O Goddard é um simples exibicionista que se consegue safar razoavelmente. Mas, para mim, o único grande auteur em França é Jacques Prévert com “Enfants du Paradis”. Tudo o que Carné teve de fazer foi seguir o guião e…Estou outra vez a lembrar-me do Capra, escrevi agora sobre ele para a Newsweek. Uma vez despedi-o de um dos meus filmes chamado “The Best Man”. É verdade que ele ainda conseguiu fazer dois ou três bons filmes que foram escritos por Robert Riskin e só por causa disso. Eu conheci Riskin e ninguém fala dele, ao passo que o Capra - que não tinha miolos nenhuns, era um bocadinho lento e pateta e só percebia de tecnologia - é que é famoso.




H.V. : Quer dizer que todos esses grandes realizadores eram afinal uma fraude, inseguros e um pouco infantis?

G.V. Não há dúvida que o Capra era infantil…




H.V. : Isto vem a propósito de o que o Martin Amis disse a seu respeito, que era o único adulto na América, o único que se dava ao trabalho de pensar. Quer dizer que o resto dos seus concidadãos são umas crianças grandes que precisam de um pai, de uma espécie de “Big Brother”? Quando citou aquela frase do Unabomber que dizia que “os americanos estão a tornar-se animais domésticos” numa sociedade totalitária, era nisso que pensava?

G.V. Os americanos já têm um Big Brother. É uma sociedade com um controle muito apertado, é uma oligarquia, um país que está na mão de cerca de 1% dos seus habitantes que são donos dos “media” e das escolas.




H.V. : Sendo assim, os pontos nevrálgicos, a informação e a educação, são regidos por essa minoria?

G.V. Exactamente. Sem esquecer a parte do “entertainment”. No século XVIII , David Hume já tinha perguntado , “como é possível que um punhado de homens possam controlar um País?”.Chegou à conclusão que tal era possível através da opinião que, nessa altura, era controlada pela Igreja.




H.V. : Ele era ateu. O que, na realidade, não o ajudou nada na vida.

G.V. Sim, ele insurgiu-se por exemplo contra a educação obrigatória desde a infância, uma ideia de Napoleão Bonaparte, como o Vasco (Pulido Valente) me fez lembrar. Mas foram Bismark e Lincoln que impuseram o conceito de se tirar uma criança da tutela dos pais durante doze anos ou mais, para ser doutrinada. Hoje em dia põem as crianças a engolirem a doutrina do consumismo e nem uma palavra sobre os valores de cada país. Na América toda a História que é ensinada às crianças é deturpada.




H.V. : Pensa então que a História como a conhecemos - como escreveu em “Palimpsest” - é, tal como as suas Memórias, um “tecido de mentiras” ?

G.V. Muitas camadas de mentiras. Por exemplo há dois pontos essenciais que nunca são articulados : o primeiro é que somos um Império adquirido de forma sangrenta, uma prática que ainda está em vigor, e o segundo é que temos uma classe dominante que é brilhante mas que ninguém sabe que ela existe o que é sinal de que é uma classe muito astuciosa que compra tudo, incluindo as Universidades. É por isso que nem sequer Harvard ou Yale falam disso. A opinião pública é que controla a mente das pessoas, o que é suficiente para tornar qualquer um infantil. Tenho de ser cuidadoso porque estou num país católico mas a verdade é que o catolicismo também infantiliza as pessoas.




H.V. :A moral judaico-cristã é a base da nossa cultura ocidental e segundo a sua teoria foi ela que pôs termo ao espírito clássico, instituindo o “monoteísmo demente” e outras “perversões” contrárias à limpidez, à alegria, ao hedonismo do mundo pagão?

G.V. Sim, por isso é que o Iluminismo foi tão importante. Diderot e Voltaire tentaram dizer às pessoas que havia algo mais, uma outra realidade.




H.V. : Uma realidade que deu origem à muito sangrenta Revolução Francesa…

G.V. Sim, acabamos sempre por ficar com os dirigentes errados mas as ideias, certas ideias, é que são importantes. Foi a partir daí que surgiram “Os Direitos Do Homem” e a “Declaração da Independência” nos Estados Unidos. Convém lembrar que ficou estabelecido que o Homem tinha direito à Vida, à Liberdade e à Busca da Felicidade.




H.V. : Não acha que essa última parte está um pouco esquecida?

G.V. Sim , hoje em dia é mais a Busca dos Narcóticos…




H.V. : E quanto aos Direitos das Mulheres ? Rousseau abordou o assunto, Mary Woolstonecraft escreveu “A Reivindicação dos Direitos das Mulheres”. O que acha dos movimentos feministas?

G.V. (Risos) O feminismo é um sinal de prosperidade. Nos países pobres o feminismo é um luxo. Algumas feministas andaram por lá a pregar, mas como é que se pode pensar em liberdade se não se sabe quando é que se vai comer outra vez?




H.V. : Mas isso não acontece apenas com as mulheres. Quando as barrigas estão vazias, sejam elas de homens ou mulheres, o resultado é o mesmo.

G.V. Sim. Acho que foi Susie Brown Miller que lamentava ter sido tão dura para com os homens quando era nova. E dizia: “agora que estou velha tenho pena de não ter aproveitado enquanto pude”. (Risos)




H.V. : Acha que o mundo clássico estava mais bem organizado no que diz respeito às mulheres? Sabe-se que elas chegavam a participar em batalhas ao lado dos homens mas depois, quando voltavam a casa, recolhiam ao gineceu.

G.V. Sim , era assim entre os gregos.




H.V. : Plutarco, em “As Virtudes das Mulheres”, defende um tratamento semelhante para homens e mulheres, principalmente no que diz respeito às cerimónias fúnebres. Mas, no fim, diz que “as melhores mulheres são aquelas das quais não se ouve falar”. Acha que Plutarco tinha razão?

G.V. (Risos) Gosto dessa ideia que só demonstra que Plutarco era um homem cheio de tacto. Mas nessas questões prefiro citar Montaigne. Ele esteve muito apaixonado, não sexualmente, por um homem, um amigo que para ele, era um outro “eu”. O amigo morreu quando tinha trinta e poucos anos e ele nunca recuperou desse drama. Dizia que não tinha ninguém com quem falar e foi por isso que inventou os Ensaios. À medida que escrevia ficava cada vez mais convencido que as diferenças entre homens e mulheres eram poucas. Mas disse que o ideal seria uma mulher educada como um homem, com aquilo a que chamamos uma “mente masculina” mas com os encantos físicos, sexuais de uma mulher. Montaigne era marcadamente heterossexual e, para ele, esta era combinação ideal. Coitado, o amigo morreu cedo e depois ele arranjou uma amiga que não era muito esperta. Dentro desta perspectiva, talvez Aspasia fosse a mulher ideal.




H.V. : Aspasia encantou Péricles e até Sócrates, pela sua inteligência. Mas foi muito ridicularizada em Atenas.

G.V. É verdade, mas certamente era um género que agradaria ao pobre Montaigne.




H.V. : Falou em Montaigne e nessa “afinidade electiva” com Étienne de la Boétie. Consigo passou-se exactamente o contrário. O seu amor de adolescência por Jimmie Trimble, que morreu aos dezassete anos na Guerra, foi absolutamente físico. Anos mais tarde afirmou que mantém com Howard Austen, há já várias décadas, uma relação extraordinariamente feliz porque não existe sexo entre ambos. E citou aquela frase de Sócrates : “o sexo é um tirano louco e cruel”.


G.V. O que Sócrates disse, aos oitenta anos, foi : “finalmente estou livre desse senhor insano e cruel.” Claro que concordo com ele e até digo mais, nunca se deve ter sexo com amigos. O sexo é algo que se encontra por aí aos pontapés, mas não um amigo.




H.V. : Portanto, o que aconselha é que se pratique o sexo com perfeitos estranhos?

G.V. Sim, e com o maior número possível de estranhos. ( Risos)




H.V. : No entanto, para além do prazer, há ainda o problema da preservação da espécie.

G.V. O importante é “reproduzir-se e morrer novo”. Não nos podemos esquecer que o macho foi concebido para impregnar tantas fêmeas quanto possível, o mais rapidamente possível, enquanto que a mulher demora nove meses para “pôr o ovo“. Homens e mulheres estão em vias totalmente diferentes e muito me espanta o simples facto de se juntarem. Quando as mulheres pedem fidelidade tornam-se ridículas. A natureza é que manda e o homem o que tem na cabeça é que tem que f… qualquer coisa. A ideia de viver com a mesma pessoa até se chegar a velho é macabra, a menos que se trate de amigos.




H.V. : Essas ideias são de família. Em “Palimpsest” conta como a sua mãe casou pela segunda vez, um suposto “casamento branco”. Mas o marido queria ter filhos. Para evitar contactos, a sua mãe preferia recorrer a uma colher para “inserir os bichinhos”dentro dela. Foi uma autêntica precursora da inseminação artificial.

G.V. (Risos) Ela chamava-lhes “percevejos”. (bugs) Foi assim que a minha horrorosa e detestável mãe contava arranjar meios-irmãos para mim.




H.V. : E quanto às suas relações amorosas com mulheres? Fale-nos de Anaïs Nin e de Diana Lynn.

G.V. Houve quem dissesse que propus casamento a Anaïs, o que é um perfeito disparate porque nunca desejei casar-me e muito menos com uma senhora que, para mim, era já uma pessoa de idade, quando a conheci. Quanto a Diana, foi uma pessoa de quem sempre gostei, até porque nunca houve, de parte a parte, qualquer ideia de casamento.




H.V. : As instituições, como a religião, são para si motivo de reflexão irónica. Se estamos à beira de uma nova era teocrática acha que a proliferação de seitas, cultos e outros movimentos exteriores à Igreja institucionalizada representam um desejo de uma nova espiritualidade?

G.V. Todos os governantes pensam nisso. Constantino, quando se converteu ao catolicismo, sabia que era uma forma maravilhosa de escravizar o povo. Quando ele conglomerou o Império, não tinha infra-estruturas e não conseguia espalhar e fazer cumprir as suas leis. Por isso fez um acordo com a Igreja que já possuía uma grande organização, da qual ele se apoderou, em troca da institucionalização do catolicismo como religião oficial do Império. Claro que a religião católica era ideal para um Imperador porque era absolutista.




H.V. : Alexandre o Grande, Júlio César, Eleanor de Aquitânia tiveram a ideia de uma Europa unida. Nunca deu resultado durante muito tempo. Será que agora as condições são diferentes?

G.V. Tudo o que eles quiseram foi sempre o poder e não o bem estar das pessoas. Porque é que agora há-de ser diferente? O poder é agora de Bruxelas, o que significa impostos únicos e uma forma de controlar cada vez mais a vida das pessoas.




H.V. : E quanto aos Estados Unidos? Será que a força crescente da Europa vai alterar o equilíbrio de poderes entre o Leste e o Oeste? Qual é a posição de Clinton?

G.V. Clinton anda ocupado com os escândalos das Mónicas e das Paulas…




H.V. : O caos de que fala não poderá ser um caos criativo ? Ou será um prenúncio de anarquia?

G.V. Quem sabe? Haverá sempre pessoas criativas mas tudo depende do tipo de jogos que quiserem jogar. Cada país tem sempre uma maior percentagem de bons escritores do que bons leitores, é um fenómeno universal. A era da literatura está possivelmente a acabar, vivemos no reinado do audiovisual em que as crianças aprendem tudo através de jogos, em vez de lerem livros ou de terem quem lhos leia. É uma civilização totalmente diferente mas, quem sabe, pode até ser melhor.




H.V. : Na conferência de Lisboa falou da preservação da identidade e comentou que, se se transferir um grupo de Bengalis para a Noruega, isso representa um crime contra a sobrevivência. Foi pelas mesmas razões que defendeu a causa Palestiniana?

G.V. Absolutamente. É claro que as pessoas têm dificuldade em admitir estas ideias porque não são “politicamente correctas”. Mas a verdade é que precisamos rapidamente de um novo Voltaire.



H.V. :Pensa ser esse o seu papel, o de um Voltaire do século XX?

G.V. Talvez, porque não?

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Apresentação de Mulher-Casa de Tânia Ganho, Porto Editora, Lisboa, 2012
10 Maio, 2012 Bertrand do Chiado, Lisboa
É do conhecimento de todos que os seres humanos – homens e mulheres – para não falar da maior parte dos animais – evoluem graças a dois pressupostos fundamentais: o da imitação e o da oposição. Imitamos modelos e numa fase mais avançada – se tivermos aquilo a que se chama personalidade – rebelamo-nos contra esses mesmos modelos. Mais tarde, se tivermos um mínimo de sorte e sabedoria, conseguiremos harmonizar estas duas facetas e até descobrir algo diferente. Portanto, o que fazemos para aprender é imitar: e assim reproduzimos sons e começamos a falar, reproduzimos gestos e começamos a andar e a ser autónomos, e por aí fora. Imitamos os que nos são próximos – por isso é que Tarzan andava a saltar de galho em galho como a sua mãe macaca – e os que são parecidos connosco – e, neste caso, as meninas imitam as mães e os meninos os pais, embora saibamos que isto não é obviamente linear. À medida que crescemos, cortesia das guerras internas hormonais – ou por qualquer outra razão mais profunda e menos óbvia – alguns de nós tendem a não imitar mas sim a entrar em confronto com os anteriores modelos. A maturidade, o crescimento mental vai decorrendo sempre a partir de estes factores – imitação, confrontação, confrontação, imitação (de novos modelos, de novas e sempre renovadas imagens exteriores. Se, a somar a tudo isto, tivermos o dom de sermos pensantes talvez possamos tornar-nos pessoas mais ou menos adultas mas há quem fique preso num ou noutro estádio. Tudo isto para dizer que na realidade somos essa espécie de cebola que se forma camada por camada, estrato por estrato, sempre, sempre, através dos mesmos movimentos de imitação e repúdio. Quero dizer que quando nascemos aterramos neste universo maluco, perdemos a segurança do silêncio e da escuridão, da passividade e do sono e somos catapultados para este magma de movimento, luzes, cores, sons, tensões, mudanças bruscas de temperatura e de humores. Que terror atávico não se apoderará de nós, que medo do desconhecido será aquele que nos faz chorar e berrar – e também respirar e abrir os olhos num espanto e no deslumbramento? Felizmente, e na maioria dos casos, o nosso instinto de sobrevivência leva a melhor e desatamos a comer, a dormir e a defecar alegremente e, enquanto andamos por cá, a cada nanossegundo, o corpo e a mente de cada um, entram num corrupio, sempre afadigados em transformações, mutações, processos químicos, habilidades físicas e mentais, paixões, amores, ódios e impulsos, depressões e impressões, euforias e desalentos. Crescemos inexoravelmente, mudamos dramaticamente e é necessário adaptar-nos, a cada instante. As mulheres com o apurado sentido do seu próprio corpo – não têm outro remédio, dadas as coisas “bizarras” que nos acontecem como ficar grávidas, termos filhos, sangrarmos todos os meses e coisas assim – são testemunhas privilegiadas destes fenómenos que, como disse, ganham uma vertiginosa velocidade desde o momento em que respiramos pela primeira vez. “A Natureza é misteriosa” diz Mara e não posso estar mais de acordo. Mas a que é que isto vem a propósito em relação a este A Mulher-casa? Não sei muito bem. Mas a imagem dos estratos que se vão formando, dos vários “eus” que nos vão envolvendo – como a cebola ou a inevitável “boneca russa” babuska – creio que foi o sentido espacial e arquitectónico da construção deste romance – que é imediatamente sugerido pelo próprio título do livro – que me levou a isto. Mara, a heroína ou mais propriamente anti-heroína é uma jovem mulher que vai viver para Paris com o marido Thomas e o filho pequeno, deixando para trás a segurança da província, onde tem a família e onde cresceu. A dicotomia grande cidade e província é um dos temas interessantes – o lugar de todas as oportunidades e de todas as tentações versus o cocoon, o ninho – mas não me vou alongar porque, embora importante na narrativa, deixo ao vosso cuidado o seu desenvolvimento. É importante salientar, no entanto, que Paris representa uma perspectiva de vida glamorosa e economicamente mais atractiva mas a verdade é que a nossa heroína passa do conforto para o luxo e esse luxo é, como veremos, uma prisão. Mara, na verdade é, ela própria um edifício, uma construção, uma sucessiva composição de menina, mulher e mãe, por sua vez encerrada numa outra construção – um lugar fechado, institucional, “militar”, a Escola Militar onde lhes é facultado um apartamento juntamente com os outros apartamentos onde vive o staff de um ministro para quem Thomas trabalha como escriba de discursos e comunicados – numa cidade, Paris, que, evidentemente possui como símbolo essa estranha construção que é a Torre Eiffel (embora do género feminino é um óbvio símbolo fálico, de poder e agressividade masculina, como diria a brigada freudiana, para não falar da “troupe” lacaneana) e que Mara vê, enquadrada na sua janela em grande plano, nas suas constantes metamorfoses, consoante o tempo atmosférico, a luminosidade, o dia ou a noite (aliás, o tempo é por ela medido a partir do aspecto da torre). E os caprichos que mademoiselle Eiffel apresenta reflectem-se nas mudanças de humor de Mara. Mas vejamos: Não vou contar a história porque terão de a descobrir e só vos digo que, até à última página, existe um suspense – a vida é feita de escolhas para usar um velho e bom cliché – e Mara é posta à prova (ou põe-se à prova) várias vezes. (Essa capacidade de sustentar a tensão na narrativa por parte da autora é um das múltiplas virtudes deste romance.) O suspense – cuja resolução talvez a própria Tânia Ganho tenha deixado para o fim – é fruto dos dilemas pungentes com que Mara se depara a cada instante. Na sua condição de mulher deverá privilegiar a carreira do marido – que ela ama – ou dedicar-se à sua arte? Deverá, ou poderá, capitular perante um situação para a qual é arrastada – embora voluntariamente mas que lhe desagrada – por Thomas (e que dá prazer ao marido) e sujeitar-se ou, pelo contrário, rebelar-se? Mesmo em pleno século XXI – um dos temas mais importante é o da condição feminina – será que o amor por um homem, um companheiro, poderá levar ao abandono de uma carreira, de um desejo de criatividade? E, abarcando uma situação ainda mais complexa, onde se encaixa, na vida de uma mulher, a maternidade? Diz-se que as mulheres dão vida quando têm um filho, uma filha, neste caso Raphael, a criança exigente e sôfrega de afecto. Será que ao “darem” uma vida têm de abdicar da sua própria existência? Ou será possível conciliar tudo? Mara não quer abdicar do seu corpo, da sua beleza, agilidade, desejo. Não quer, como acontece com muitas mulheres, diluir a sua carne, o seu sangue, os seus ossos, as suas fibras, no marido e no filho. Quer manter-se um ser autónomo, pensante, ardente, vibrante – e para tal existe a ajuda muito agradável e excitante de Mattéo, o atraente cozinheiro da residência ministerial. E agora reparem: Mattéo é o oposto de Thomas – é imprevisível, irregular, tem uma vida “fora de portas” (namorada) é, realmente a aspiração de qualquer mulher – imaturo, descomprometido, presente quando é preciso ao contrário de Thomas, responsável, cheio de trabalho, ausente em viagens mas pai do filho de Mara, calmo, seguro, mais “casa” do que Mara, muito mais “casa” do que o Mattéo “motard”, embora este esteja à distância de um lanço de escadas dentro da residência, desse microcosmos que reflecte a vida lá fora, com os seus dramas, tensões, perigos e prazeres. Mara é uma mulher entre homens – neste livro as figuras femininas importam pouco, embora tenha pena de não saber mais sobre a irmã de Mara – vivendo não o tradicional triângulo amoroso mas sim um quadrado amoroso composto por Thomas, Matteo e Raphael, a criança amada e simultaneamente causa de impaciência e irritação, preocupação e inquietação. Recapitulando. Tânia Ganho, para além de ser uma escritora muito culta – algo que é sempre agradável – e de ser capaz de, com infinita habilidade – como a de Mara com os seus chapéus – incorporar na narrativa referências oportunas a artistas (Louise Bourgeois e Annete Messager, p. ex ou a referência a Sylvia Plath cuja depressão esteve aliada ao parto até mais do que à traição do marido) à História, a outros escritores, a ambientes – Paris poderá agora ser visitada com a Mulher-Casa na mão – refere longamente temas tão actuais como o estatuto da mulher, a maternidade – é um alívio ver que Mara confessa não ter um instinto maternal apurado mas compreendemos como se debate na culpa e na ansiedade – o adultério e principalmente as exigências do corpo feminino e ainda o tema da hipocrisia, da duplicidade e do escândalo que Tânia desvia muito habilmente e muito oportunamente para a cena política. Não posso deixar de fazer mais duas referências importantes: a primeira é a que diz respeito a Balzac, presente no subtítulo, Cenas da Vida Íntima em Paris. Não é por acaso que o grande naturalista francês – que hoje em dia é estudado a partir de um ponto de vista “romântico” o que não deixa de ser curioso quando ele próprio queria deixar a sua marca de testemunha da grande “Comédia Humana” – é revisitado por Tânia Ganho; a segunda remete para uma espécie de espelho feminino de uma “Educação Sentimental” – um romance em que os dilemas são constantes – do não menos maravilhoso Flaubert que foi influenciado por Balzac, tal como Zola e Proust. Finalmente, creio que Tânia Ganho utilizou uma ferramenta muito interessante e cativante: escreveu um conto de fadas contemporâneo, subvertendo com elegância e ironia certos pressupostos. Não há dúvida que aqui se trata de uma princesa, casada com um príncipe que serve um rei, presa num castelo doirado mas com passagens subterrâneas – neste caso a escada cuja obscuridade protege as idas e vindas dos amantes – com uma alcova (o quarto da criança) – um pátio onde tudo pode ser visto (agora com câmaras de segurança – etc, etc.). Mara, a princesa com os seus belos trajes Sojia Rikiel deixa-se tentar por um plebeu cuja óbvia vitalidade e sex appeal a deslumbram – os plebeus, ainda por cima cozinheiros, cheiram a pão e a bolos, a coisas quentes e excitantes para os sentidos. (Repare-se que, quando ela compara o membro viril do marido com o do cozinheiro, o primeiro é teso e seco, o segundo flexível e húmido). Característico dos contos de fadas é também o facto de haver uma bruxa – a mulher do ministro, por exemplo – e de as personagens só ganharem esse estatuto, quando são tocadas pela varinha mágica da princesa, neste caso de Mara (que tem um pouco de bruxa vampiresca). Repare-se que as outras personagens nem nome têm, são o Ministro, o Ajudante de Campo, o Juiz, o Advogado, etc, um “toque” muito refinado e irónico. E fico-me por aqui dando conta de um último pormenor - o botão de madrepérola que Mara selecciona e guarda para marcar um dia bom – um jogo íntimo - remete para Lewis Carroll que fazia o mesmo com uma pedra branca. Hoje é um dia a assinalar porque estamos a celebrar esta Mulher-Casa da escritora portuguesa Tânia Ganho.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades

A 10 de Junho de 2012, escrevi no Facebook o seguinte comentário: Em 1578, depois de saber da tremenda derrota em Álcacer-Quibir, e com as tropas castelhanas a aproximarem-se de Lisboa, Camões escreveu: " A minha Pátria, que me era tão cara, está moribunda. Apraz-me não só morrer nela mas também com ela."... Portugal passou a província de Espanha em 1580. Nesse mesmo ano, morreu Camões, a 10 de Junho. Não sou dada a nacionalismos mas parece-me estranho que se celebre um País no aniversário da morte de um homem que foi mal tratado pela sua Pátria, que a amou apesar de tudo e que "morreu com ela". Não poderíamos ser um pouco menos mórbidos? O actor e escritor André Gago ("Rio Homem") escreveu este brilhante texto, cuja leitura recomendo: O Dia de Camões surge como uma data incelebrável, entalada pela ideia de querer celebrar o poeta, assinalando ao mesmo tempo o Dia de Portugal e o Dia das Comunidades Portuguesas. Ou seja, este dia é uma espécie de Rossio na Betesga. Cerimónias oficiais e comendas à parte, este dia não é, de facto, celebrado pelos Portugueses, senão para apanhar ar e aproveitar os descontos nas grandes superfícies comerciais. Olha-se para o que o 10 de Junho tem para oferecer como se olha, por vã curiosidade, para a ementa turística dos restaurantes. É mais barata, mas preferimos comer outra coisa. De Camões então, neste dia, no fundo, nada se celebra. Então, porquê este Camões, entalado entre tanta pompa de Estado, tanta ideia de nacionalidade? Má consciência? A pátria sente-lhe a voz de avô egrégio? Essa Pátria onde “Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões", como bem pintou, por palavras, o velho Almada Negreiros? Imagina-se a Pátria, com combalido arrependimento, a proclamar, em manifestação de massas: “Abaixo as tenças em atraso”? Na verdade, ter o nome de um poeta maltratado, como os demais, elevado a feriado nacional em celebração da pátria é mesmo coisa portuguesa, ou seja, não faz sentido nenhum. Mas com isto, Portugal consagra-se como dando aos seus poetas uma importância maior do que outras nações do Mundo — o que é falso. Sim, é verdade que Wilde morreu mal, e que tantos outros acabaram miseravelmente os seus dias. Mas não é preciso ser cego para ver que, pelos séculos fora, os seus nomes foram genuinamente aplaudidos e geraram um apreço acrescido pela cultura — um apreço que os portugueses nunca conseguiram, genuinamente, ter. Portugal (entidade abstracta, já lá iremos) muito bem finge perante o Mundo ter apreço pelos seus artistas — fê-lo admiravelmente na Europália 91, na Lisboa 94, na Expo 98, no Porto 2001 —, quando, na realidade, detesta o seu cinema, o seu teatro, a sua dança ou a sua literatura. E por que razão detesta Portugal (entidade abstracta) esta emanações que pertencem, por definição, ao campo da abstracção? Porque a ideia de Portugal se fez glosando o que pertence ao domínio da abstracção, transportando-o para o domínio do real. Ou seja, porque a ideia de Portugal se fez de mitificações a partir do real, e não a partir da imaginação, quer dizer, da criação artística. Muito poderia ser dito a respeito dos próprios fundamentos da realidade, mas detenhamo-nos nos exemplos mais flagrantes: Camões, para começar. Camões precede Shakespeare no tempo, e é pena que nunca se tenham conhecido. Shakespeare é universal, Camões é um espírito universalista. A universalidade do primeiro é imanente, porque a sua obra a ilumina; a universalidade de Camões é inferida, porque nos ajuda a fazer luz sobre as sua referências. Camões é desesperadamente clássico, procurando agarrar o tempo que o antecedeu, Shakespeare tornou-se um clássico graças ao tempo que lhe sucedeu, e que ele ajudou a desvendar. Há, todavia, uma coisa que os aproxima, mas claramente os distingue: a paixão da sua biografia. Ao Shakespeare, todos classificam de super-homem. Incrédulos de que um único homem possa ter vivido e, sobretudo, produzido tanto, muitos procuram furtar-lhe a personalidade, denunciando-o como uma fraude, acusando-o de ser nada mais que um incrível ghost-writer. Ainda por cima, um tipo do teatro! Como é que alguma vez um tal génio literário poderia ter florescido sendo actor e produtor teatral? Ná. Cheira a esturro. Já o Camões é um super-homem incontestado: a sua biografia comprova-o, sem margem para dúvidas. Camões é, como se diz em inglês, bigger than life. E isso, para quem não gosta devidamente da sua lírica, é superior à obra. Enfim, para os portugueses — que não gostam de literatura, nem de cinema, nem de dança, nem teatro —, Camões-ele-mesmo é infinitamente mais interessante que a sua obra. E foi, porventura, por isso que lhe dedicaram um Dia. Não por causa dos versos, mas por causa do episódio trágico-marítimo. Que importa as imagens que emanaram do seu espírito? O que é de valor é o ter salvo manuscritos náufrago, ser cegueta de batalha, ter sido recebido por sua (dele) majestade, ser Trinca-Fortes, um tanto marialva avant la lettre, e ter morrido à fome. E, graças aos amores proibidos e aos desamores a custo suportados, associados a um certo espírito de capa e espada, Camões é como se fosse o nosso Cyrano de Bergerac, com a diferença de “Cyrano” ser uma obra de ficção de um autor — Edmond Rostand —, que tem por base uma personagem real, enquanto Camões é uma personagem real que tem por base a ficção de uma data de autores anónimos, conhecidos pelo cognome de Os Portugueses. Ora a questão é que se não esgota aqui a incapacidade deste colectivo autoral deixar a capacidade de abstracção por mãos alheias — ou deveríamos dizer antes que, à abstracção, Os Portugueses contrapõem o triunfo do literal? Não, não somos o país de produções fictícias de Quixotes, Cides, Mosqueteiros, Leares, MacBethes, Faustos, Montes Cristo, Beatrizes ou Werthers. Para quê inventar, quando temos um Dom Sebastião? Fraco exemplo? Nem tanto, de um rei de que se aguarda coisa tão tamanha como o regresso do Hades numa manhã de nevoeiro. Claro que esse episódio por publicar, por assim dizer, não é biográfico, é uma criação genial — mas que está submetida ao serviço de uma hagiografia histórica. Então e uma Rainha Santa Isabel? Em plena democracia, brincar com esta figura foi o suficiente para suspender um programa humorístico na televisão pública. Com certas ficções, sobretudo as literais, não se brinca. O milagre das rosas é quanto baste, para uma realeza ficar na história por perpetrar milagres reservados a poucos. Joana d’Arc, real até ás cinzas, ultrapassa a Rainha Santa em ficções (livros, filmes, obras sinfónicas) baseadas na sua pessoa? Pois, mas fez por isso. Deu, passe a expressão, o corpo ao manifesto. Quer dizer, os seus actos foram palpáveis. Milagres, qualquer um faz, mas as coisas que Joana d’Arc fez poucos as fariam. Que dizer, porém, então dos amores de Pedro, o Cru, e de Inês? Haverá Tristões e Isoldas que se lhe comparem? Está bem, temos Julieta e Romeu, mas... são personagens inventadas! A lista de literalidades, expressão nos antípodas da abstracção e que, portanto, nada tem que ver com literatura, é extensa, e foi propositadamente acrescentada e engrandecida para ofuscar heróis de improváveis ficções nacionais que lhes tenham tentado fazer frente: Mouzinho de Albuquerque, Alves dos Reis, Fernão Mendes Pinto (por mérito próprio) ou, por exemplo, Vasco da Gama. Este último português, muitas vezes referido como detestável, conseguiu a proeza de ser a positiva personagem central de uma ópera de Giacomo Meyerbeer, “L'africaine”, estreada em 1865. A ópera caiu no esquecimento, mas imaginem o que seria nós, os portugueses de hoje, convivermos com um célebre personagem de ópera, nosso conterrâneo, cujas árias fossem trauteadas alegremente, e desde a infância, pelos cidadãos de todo o mundo, como se faz com o Fígaro ou a Flauta Mágica? Conseguem imaginar? O nosso “Nixon in China”, um século antes (sim, esta não é trauteada por infância nenhuma em parte alguma do Mundo, mas é o exemplo da estranheza de uma personagem histórica elevada a protagonista de uma ópera)? E conseguem, já agora, citar outra personagem real de uma ópera do século XIX de cujo nome se recordem, e trautear um trecho da sua ópera? Não? Pois bem: imaginam a janela de oportunidade que se perdeu para o real imaginário da ficção da portugalidade, e que se esfumou com esta personagem perdida do universo operático, em virtude do desaparecimento precoce do compositor? Fatalidades. Há o teatro literal da vida real do nosso Fernando Pessoa imaginário, há o sacana do Salazar que consegue inspirar tesões de residência oficial a proto-cineastas incapazes de fazer o verdadeiro filme pornográfico das suas vidas (e que continua a fazer capa para êxito de vendas dos nossos orgãos de comunicação “de referência” à custa da fantasia porno-serôdia da criada de servir), o fabuloso Bocage e o imperador Vieira, de que se conhecem, claro está, mais as biografias do que a obra. Portugal, de brandos costumes feito, tem o vício de elevar os seus filhos e filhas mais notáveis ao panteão de uma certa ficção que faz de si mesmo — elegendo a literalidade dos exemplos, ainda que distorcidos e manipulados, por oposição à abstracção da referências. O Camões tem alguma culpa nisso, quando quis emparelhar os nossos prosaicos conquistadores das Descobertas às figuras míticas da Antiguidade. No fundo, foi ele que começou. E, à força de todos nos acharmos dignos de uma epopeia, não nos apercebemos da excepcional importância do simbólico. Camões deu demasiado valor ao patriotismo, e quis contribuir para a ficção desta sensação a que chamamos Portugal. Graças a ele, qualquer carapau alcandorado ao poder ou empoleirado nos ramos mais altos da escala social passou a ter dos artistas esta visão: a de que servem, essencialmente, para os fazer passar à História. A mim a feitoria, aos artistas o meu retrato. Felizmente, a posteridade verdadeiramente universal recorda sempre, acima de tudo, o nome do pintor. Isso até no caso do Nuno Gonçalves é verdade. Mas, azar ou sina nossa, os seus celebrados painéis são, essencialmente, uma fotografia de Estado — nada de Vénus à Botticelli, Joões Baptistas à da Vinci ou homens de turbante vermelho à van Eyck. Resta, pois, saber se a posteridade de Portugal é universal. Para que assim fosse, e uma vez que o Infante Santo (o nosso único homem com algo que se assemelha a um turbante), o Vasco da Gama, o Dom Sebastião ou a Rainha Santa Isabel, para não falar do impronunciável nome do nosso Camões (o melhor que se consegue é Camóis), não são exactamente personagens queridos e universalmente rememorados, o nome de uns quantos artistas dava jeito. Para que isso aconteça, não ajuda grande coisa dedicar-lhes um Dia ou premiá-los com uma comenda: bem melhor seria assegurar-lhes alguma prosperidade ao longo dos restantes dias do ano. André Gago 10 e 11 de Junho de 2012 (isnpirado por um post de Helena Vasconcelos)

quarta-feira, 21 de março de 2012

Confissões de Felix Krull - Thomas Mann


Amanhã, dia 22 de Março de 2012 é dia de Comunidade de Leitores na CULTURGEST e a obra em causa é "Confissões de Felix Krull - Cavalheiro da Indústria" de Thomas Mann.Escrito ao longo de anos e anos, este romance ficou inacabado, o que não prejudica em nada a sua leitura. Muito próximo do género "pícaro", Thomas Mann, como sempre, tudo subverte e tudo põe em causa. Felix, o Wunderkind, aquele que tem a felicidade cunhada no próprio nome, é um jovem e mais tarde um homem, de muitos rostos e personalidades, eternamente "moldado" às circunstâncias em busca do prazer.
Aqui fica um excerto:
"Das coisas delicadas e fluídas, convém falar com delicadeza e fluidez; por isso formularei aqui, com precaução, uma observação acessória. Em resumo: a felicidade só se pode encontrar nos pólos extremos das relações humanas — onde as palavras não existem ainda ou onde já não existem — no olhar e nos abraços. Só lá se situam o incondicional, a liberdade, o mistério e o entusiasmo irreprimível. Tudo o que existe no intervalo, como contacto e relações sociais, é tíbio e fraco, determinado, condicionado e limitado pelo formalismo e pela tradição burguesa. A palavra, aí torna-se senhora — a palavra, essa intermediária baça e fria primeiro produto duma civilização domesticada e moderada, e tão totalmente estranha à ardente e muda esfera da natureza que cada vocábulo é, de qualquer maneira, uma frase por si e em si.
Digo isto eu, que, contudo, tento modelar a história da minha vida e ponho todo o cuidado possível em dar-lhe uma expressão literária. Entretanto, o meu elemento não é a comunicação verbal, porque o que me interessa verdadeiramente se afasta dela. Sinto-me ligado, de preferência, às regiões mais extremas e silenciosas das relações humanas. Em primeiro lugar, àquelas em que a estranheza e a ausência de qualquer relação burguesa mantêm ainda um estado primitivo, onde os olhares se casam irresponsáveis, numa sonhadora impudicícia. Por fim, a outra esfera, aquela em que a união, a intimidade, levadas até ao paroxismo, restabelecem, da maneira mais perfeita, esse estado mudo e primitivo."

quinta-feira, 8 de março de 2012

"Morte em Veneza" de Thomas Mann


Hoje, dia 8 de Março de 2012 é dia de Comunidade de Leitores, na Culturgest. O livro?
"MORTE em VENEZA" de Thomas Mann
Aproveito para retirar um excerto do capítulo dedicado a este autor do meu livro "A Infância ´um Território Desconhecido", edição Quetzal, Lisboa, 2009
"Em 1901, depois de se ter livrado do serviço militar, Mann publicou “Os Buddenbrook: Decadência de uma Família”, uma saga em dois volumes, para a qual se socorreu das memórias e relatos da sua própria família e da sociedade da sua cidade natal, Lübeck. O livro acabou por ser considerado escandaloso e muitos habitantes seus conterrâneos sentiram-se atingidos naquelas páginas. Chegou a haver uma lista que identificava as personagens com os nomes de pessoas reais e , por alturas da ascensão do nazismo, as críticas a Mann foram subindo de tom. (É preciso não esquecer o facto de que a sua mulher, Katjia, era meio-judia.)
Mann viajava bastante e trabalhou arduamente enquanto esteve em Itália com o irmão, Heinrich, entre 1896 e 1898, continuando a utilizar material autobiográfico, aquilo a que chamava “os símbolos zelosamente urdidos da sua vida”, como explicou numa carta ao seu editor. Tanto “Tonio Kröger” (1903) como “Sua Alteza Real” (1909) reflectem uma vivência pessoal, as ideias sobre a arte e o artista e o seu papel no mundo, muito influenciadas pelas leituras de Friedrich Nietzsche, principalmente na antinomia, estabelecida por este último, entre arte e vida. Enquanto produzia “Sua Alteza Real” que segundo ele, seria o romance alegórico da “irreal existência simbólica”, preparava-se para escrever uma novela sobre Goethe, um romance sobre Frederico, o Grande e uma recreação do mito de Fausto. (Este último projecto só ficou concluído depois da II Grande Guerra , em 1947).
Quanto aos dois primeiros são habilmente aproveitados e incorporados em “Morte em Veneza”. A personagem Aschenbach – a quem Mann chamava “ o meu falecido amigo” – diz-se autor da “prosa épica vigorosa e lúcida sobre a vida de Frederico, o Grande” e refere outros títulos que, ironia à parte, poderiam ser do próprio Mann, incluindo a “poderosa narrativa “O Abjecto” que ensinou, a uma geração agradecida, que um homem é capaz de tomar uma resolução moral mesmo depois de ter mergulhado nos abismos do conhecimento” . (Seria exactamente devido à força que lhe advinha desse conhecimento que ele podia olhar Tadzio e tantos outros rapazes sem levar avante o acto da sedução mais crua).
Outro aspecto curioso é que Mann, ao descrever a obra de Aschenbach, os seus fins literários e as suas preocupações, faz o papel de crítico de si próprio. Com enorme desfaçatez, fala do “peso da genialidade”; ele tinha bem a noção do seu valor como escritor e acrescenta, “ a alma de Aschenbach… desde muito cedo que estava predestinada para a fama… e o seu engenho estava calculado de forma a ganhar a adesão do público em geral bem como a admiração, tão simpática quanto estimulante, do conhecedor”.

E, mais à frente:
"Já foi dito que esta novela, que se tornou uma das peças mais importantes da Literatura do século XX, é largamente autobiográfica e que surgiu a partir de uma sucessão de acontecimentos na vida de Thomas Mann que, aliás, escreveu o seguinte: “Não inventei nada em “Morte em Veneza”. O “peregrino” no North Cemetery, o horrível barco em Pola, o homem dissoluto encanecido, o gondoleiro sinistro, Tadzio e a sua família, a viagem interrompida pelo extravio da bagagem, a cólera, o mangas de alpaca pomposo na agência de viagens, o cantor de baladas rasca, todos esses e mais os que quiserem, estiveram lá. Eu limitei-me a dispô-los da forma a mostrá-los o mais estranhamente possível, em prol da composição”.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Thomas Mann na Comunidade de Leitores


Ontem foi dia de Comunidade de Leitores, na CULTURGEST. Um dia BOM, portanto!. Discutimos e analisámos contos, principalmente "Tristan" uma "novela" do início da carreira literária de THOMAS MANN onde o autor coloca já, com pertinência e ironia, as questões que o irão ocupar ao longo da vida: a Arte e a Vida, a condição do artista no mundo, a sua ( dele, Thomas Mann) ligação a Wagner e a Schopenhauer e, principalmente, as suas dúvidas num momento histórico conturbado. Thomas Mann foi um homem de dilemas. E nós?

A Poesia de Dorothea Tanning


NEVER MIND

DOROTHEA TANNING

Never mind the pins
And needles I am on.
Let all the other instruments
Of torture have their way.
... While air-conditioners
Froze my coffee
I caught the toaster
Eating my toast.
Did I press the right
Buttons on all these
Buttonless surfaces,
Daring me to press them?
Did you gasp on seeing what
The mailman just brought?

Will the fellow I saw pedalling
Across the bridge live long
After losing his left leg,
His penis, and his bike
To fearlessness?
Will his sad wife find
Consolation with the
Computer wizard called in
Last year to deal with glitches?

Did you defuse the boys’
Bomb before your house
Was under water, same
As everything else?
My sister grabbed her
Silver hand mirror
Before floating away.
The dog yelped constantly,
Tipping our canoe.
Silly dog.

O ano da morte de Dorothea Tanning - 2012


Dorothea Tanning (25 Agosto, 1910, pintora, poeta escultora, gravadora morreu no dia 31 de Janeiro passado, com 101 anos. Tanning era a última sobrevivente de uma época de grandes transformações e produtividade artísticas. Tanning estudou no Knox College, viveu em Chicago e, em 1935, estabeleceu-se em Nova Iorque onde entrou em contacto com o movimento Dada e com o Surrealismo. Foi Julien Levy que a integrou no círculo de surrealistas imigrados e foi assim que conheceu Max Ernst. Nas suas Memórias, “Birthday and Between Lives”, conta como Ernst fez uma visita ao seu estúdio em 1942, como jogaram xadrez e se apaixonaram. Casaram em 1946, numa cerimónia dupla com Man Ray e Juliet Browner.
O círculo de amigos de Dorothea Tanning contava com Marcel Duchamp, Roland Penrose, Lee Miller, Yves Tanguy, Kay Sage e George Balanchine, para quem ela desenhou guarda-roupa e cenários para vários Ballets – como por exemplo, "The Night Shadow".

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

THOMAS MANN na Culturgest, em Lisboa


Inicia-se amanhã um novo ciclo das minhas Comunidades de Leitores na Culturgest, desta feita totalmente dedicado à obra do escritor alemão Thomas Mann ( 1875-1955). Começaremos com "Os Buddenbrook. O Declínio de uma Família" (1901), romance de estreia de Mann, então com 25 anos. Mann desejou seguir o exemplo do seu bem amado Goethe que publicou "Werther" com a mesma idade.
“Os Buddenbrook” relata a história de uma abastada família de comerciantes, sediada na cidade hanseática de Lubëck, ao longo de um espaço de tempo compreendido entre 1835 e 1977.
Inicialmente Mann teve a intenção de se centrar na figura de Hanno, o mais jovem membro da família, sensível e fraco que ama a música e não corresponde ao ideal paterno de solidez empresarial e de agressividade empreendedorística. Mas foi necessário recuar para situar melhor a história e o autor acabou por escrever um romance “naturalista” que cobre quatro gerações. O pai de Hanno, Thomas, o “degenerado” tio Christian e, principalmente, a tia Tony – que é uma peça importantíssima no xadrez familiar – são algumas das figuras chave deste livro.
Thomas Mann era, ele próprio, filho do rico negociante – e senador – Heinrich Mann e da brasileira de origem portuguesa Júlia da Silva Bruhns. Ganhou o Prémio Nobel em 1929.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

NOVO LIVRO


O meu novo livro está pronto. Sairá em finais de Fevereiro, será "lançado" em as Correntes D'Escritas na Póvoa do Varzim - 25 de Fevereiro - e, depois, haverá uma fantástica apresentação, em Lisboa. (Ainda não sei a data nem o local)
Para quem , no Facebook mostrou interesse - MUITO OBRIGADA - aqui fica uma sinopse de
"Humilhação e Glória. Algumas Histórias de Mulheres Singulares", Ed. Quetzal, Lisboa, Fevereiro, 2012:

"É uma verdade universalmente conhecida que a História, ao longo dos tempos, tem sido registada, escrita, analisada, comentada e, em boa verdade, dominada pelos homens.
Por que razão as mulheres permitiram – e muitas vezes encorajaram – uma tão flagrante distorção da realidade?
Se sabemos, hoje em dia, que as mulheres são perfeitamente capazes de levar a cabo todas as tarefas tradicionalmente desempenhadas exclusivamente pelos homens, se o ser do sexo feminino é tão provido de génio criativo quanto o ser do sexo masculino, se, ao contrário do que foi apregoado durante séculos, o cérebro feminino e o masculino se completam em vez de se excluírem mutuamente, como explicar o facto de as mulheres, na sua esmagadora maioria, se terem mantido arredadas dos centros de decisão, remetidas a um recatado silêncio e a uma inércia e submissão insondáveis, ao longo de milénios?
E, apesar do obscurantismo a que o género feminino foi votado, apesar das perseguições, das repetidas humilhações, da violência e da incompreensão, como explicar a acção de mulheres que, mesmo em momentos da História turbulentos e pouco propícios, quebraram as regras mais rígidas e as leis mais severas, soltando-se da servidão e revelando-se em toda a sua grandeza e glória, por vezes pondo em risco a própria vida?
Questões como estas continuam, ainda hoje, a estar na origem de debates acalorados. Neste livro, para além da referência aos chamados Estudos Femininos – ou "de género" –que conheceram um incremento extraordinário nos últimos cinquenta anos, procurei dar relevo a figuras femininas do Ocidente, enquadrando, também, as mulheres portuguesas num espaço geográfico cultural e político que sempre lhes pertenceu por direito e do qual estiveram afastadas, intermitentemente, por questões de índole religiosa ou política.
Esta obra tenta, ainda, uma reapreciação do papel das mulheres em diversas épocas e diferentes lugares. Políticas panfletárias e revolucionárias como Mary Woolstonecraft e Gertrudes Margarida de Jesus, escritoras como Virginia Woolf e Maria Teresa Horta, cientistas como Marie Curie e Matilde Bensaúde, pintoras como Sofonisba Anguissola, Artemesia Gentileschi , Josefa d’ Óbidos e Paula Rego, entre tantas e tantas outras que se distinguiram nas múltiplas áreas do saber, na guerra e na paz, na revolução e na evolução, na criação artística e no mundo das ideias, para o melhor e para o pior, são aqui mencionadas e enaltecidas, no sentido de dar o devido relevo a grandes figuras femininas – algumas bem conhecidas, outras quase esquecidas – que têm um lugar perene na História da humanidade."