Formar Leitores Para Ler o Mundo
É este o tema abordado ao longo do Congresso promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, que termina hoje, 23 de Janeiro, 2009 e que funcionou em rede com a Direcção Geral do Livro e das Bibliotecas.
Foi-me pedido pela DGLB, na pessoa de António Prole, um depoimento com algumas ideias que fossem ao encontro desta temática.
Uma vez que este blog é vocacionada para a leitura, resolvi publicar o texto enviado. É possível que tudo o que refiro já exista e não seja original. Mas aqui fica o que me veio à cabeça. Pode ser que sirva para alguma coisa:
Tudo o que posso referir sobre este tema baseia-se em:
1º - A minha já longa experiência como leitora – sôfrega, assídua, crítica, apaixonada.
2º - O facto de ser uma estudiosa, tão atenta quanto possível, de Literatura.
3º - Aquilo que tenho aprendido, e continuo a aprender, em todos os trabalhos que tenho levado a cabo no âmbito da leitura: Comunidades de Leitores, Leituras Encenadas, Workshops de Leitura, etc.
Estas experiências têm contribuído para uma visão optimista na formação "para ler o mundo". Estou convencida de que a leitura está, cada vez mais, a atingir vastas camadas do que se convencionou chamar "público" - um "público" que , afinal, somos todos nós. Não partilho o pessimismo de muita gente que acha que as novas gerações são mais ignorantes do que as anteriores. Para além de ser um estrondoso “chavão”, tenho verificado que acontece o contrário: cada vez há mais gente a ler e a ler melhor. Quero dizer que se estão a ver os frutos de um trabalho de fundo que tem propiciado esta situação. Exposições como a recente “Weltliteratur” na Fundação Gulbenkian, ou como as da Biblioteca Nacional, a intervenção mais dinâmica de escritores e escritoras na sociedade, na rex publica, e a sua aparição junto de leitores – em lançamentos de livros, conferências, palestras, etc. – contribuíram para diminuir o fosso que existia entre o público e os autores. Existe, também, um trabalho de divulgação da leitura - Plano Nacional de Leitura, trabalho aturado de editores e livreiros - que já está a chegar às gerações mais recentes e a sensibilizar aqueles que ainda resistem aos livros.
Livrarias:
A época das megas livrarias parece já ter perdido o impacto dos últimos anos. É claro que exemplos como o da Fnac tiveram e continuam a ter uma enorme importância no processo da dessacralização do livro. Haver um lugar onde há de tudo e onde as pessoas entram facilmente, foi óptimo para quebrar barreiras. Mas um público cada vez mais exigente irá certamente procurar, também, as livrarias especializadas, as livrarias "diferentes" como as que já existem um pouco por todo o País. Será necessária, cada vez mais, a especialização e a profissionalização dos livreiros. O sentido crítico e as informações dos leitores são cada vez maiores e melhores. Proponho, por isso, que se aposte na formação de livreiros – e livreiras, claro – pessoas que saibam o que pode ser importante para alguém que vem à procura de livros. Tem-se verificado um trabalho muito importante por parte das editoras que passaram a promover os livros com técnicas diversificadas, adequadas a cada situação e com uma sensibilidade mais específica e apurada. Existe uma enorme diversidade que só pode ajudar a difundir a leitura e os livros. As editoras têm um selo, uma chancela que reflectem a escolha dos seus directores e orientadores. Gostaria que se passasse para um estádio seguinte, nesta cadeia que vai desde o escritor (a) até ao leitor(a): a de formação de quem está nas livrarias a vender livros.
Formação de assistentes de livreiros :
Pensei em módulos de formação muito simples, mas creio que eficazes, para que fosse possível um aconselhamento e uma orientação por parte dos vendedores directos de livros em relação a quem os procura, seja para fins profissionais, seja para fins recreativos. Estas pessoas estariam em estreito contacto com todas as editoras e teriam de estar bem informadas em relação a críticas e a apreciações sobre as obras que fossem vender. Teriam, ainda, de saber lidar com os leitores, não interferindo nos seus gostos mas aconselhando e orientando. Acontece-me muitas vezes – salvo raras e muito honrosas excepções – entrar numa livraria e perguntar por um livro que não está à vista. Na maior parte das vezes, a pessoa que me está a atender limita-se a consultar o computador à sua frente e a dizer, “sim”, “não” com absoluto desprendimento. Ora, esta postura não serve os leitores.
Plano Nacional de Leitura para seniores:
Gostaria de ver um Plano Nacional de Leitura para pessoas mais velhas. Nas Comunidades de Leitores acontece-me encontrar muita gente que diz não ter tido tempo para ler como desejariam durante a sua vida profissional activa e que, quando se retiram ou reformam recorrem à leitura mais aprofundada com um prazer redobrado . Estas pessoas poderiam ser aproveitadas para fazer palestras em escolas e universidades, em hospitais e prisões. Por exemplo. O trabalho feito pelo actual PNL é óptimo e compreendo que se tenha centralizado e começado pelas crianças e pelos jovens. São eles que mais necessitam e que irão determinar o futuro da leitura e do livro. Por isso nunca serão demais os louvores tecidos às acções do Plano Nacional de Leitura e a todas as outras iniciativas que promovem a leitura e, principalmente, despertam a paixão e a necessidade de ler, ao longo de toda a vida. Partilho a opinião de que se devem criar hábitos de leitura desde a mais tenra idade, logo que se aprende a ler. Subscrevo a aposta num ou mais cânones que deverão acompanhar as várias idades do ser humano. É uma forma de cumplicidade e partilha. Quem já leu “A Ilha do Tesouro”, “Alice no País das Maravilhas” e Homero, Virgílio, Cervantes, Shakespeare, Camões, Gil Vicente, Kafka, Thomas Mann, Virginia Woolf, Fernando Pessoa, etc, etc. etc terá sempre algo em comum com as outras pessoas que tiveram o prazer e a excitação de ler as mesmas obras. Por isso, a leitura é um grande ponto de encontro, uma grande distribuição de informação na “forma de ler o mundo” entre pessoas, em todo o lado.
Rede de aprendizagem da Leitura:
Uma outra acção que me parece ainda incipiente – apesar dos esforços louváveis do Instituto Camões – estaria relacionada com um intercâmbio mais dinâmico e alargado entre a DGLB, outras instituições e as Universidades espalhadas pelo mundo que possuem um Departamento de Estudos Portugueses. Proponho uma espécie de “Programa Erasmus” só para o livro e a leitura, uma rede mundial de formação a todos os níveis, no âmbito de tudo o que se relacionasse com esta área. Este Programa poderia ser financiado pela União Europeia – e não sei se não haverá já algo assim…
Comunidades de Leitores:
Finalmente, tenho de referir as Comunidades de Leitores que tenho dirigido. A experiência não pode ser mais positiva e gostaria de avançar para novas experiências, mantendo, no entanto, os grupos que já foram criados. (De notar que o nível de exigência destes leitores e leitoras cresce de sessão para sessão, o que obriga a um saudável e pertinente trabalho de pesquisa e de referência a leituras paralelas, o que enriquece muito estas acções.)
Para terminar, creio que – apesar da crise e até, por causa dela – a leitura será sempre a grande opção para o enriquecimento individual e colectivo. Nenhuma das outras artes pode passar sem a leitura. E nenhuma outra ocupação é tão duradoura e abrangente como essa actividade. E apesar das queixas quanto ao preço dos livros, fica normalmente tão ou mais caro ir a um espectáculo ou a uma exposição - que não dispensam uma leitura de apoio ... Elementar, meus caros!