Surpreende-me sempre a perfeita construção de "O Grande Gatsby" de Scott Fitzgerald que foi agora reeditado – mais uma vez – em Portugal (Editorial Presença, 2011, tradução do grande José Rodrigues Miguéis.). Foi publicado em 1925, ainda no rescaldo do trauma provocado pela Iª Grande Guerra. Na sua aparente simplicidade – uma narrativa que flui sem adornos nem arroubos pessoais desnecessários – é uma poderosa crítica à sociedade americana com, por um lado, a sua ganância, brutalidade e desrespeito pelos seres humanos – no triângulo formado pelo casal Tom e Daisy Buchanan e pela "moderna" Jordan Baker – e, por outro, pela ingenuidade, falta de maturidade e ambição nas figuras de Jay Gatsby, Myrtle e George Wilson. Nick Carraway, o narrador que lutou na Guerra, mostra quão cínico e desencantado se pode ser em relação a uma sociedade que apesar de apregoar a democracia e a liberdade mantém a diferença de classes e não dá espaço aos que tentam atravessar a fronteira entre o grupo do "dinheiro antigo" e o do "dinheiro novo", geograficamente representados, no romance pelas duas zonas em Long Island, o East Egg e o West Egg. Nunca é demais repetir que "O Grande Gatsby" representa uma brutal machadada no "sonho americano" de prosperidade, bem-estar e liberdade. Aqui os pobres morrem, bem como o novo-rico que "ousou" sonhar alto. E os poderosos continuam com as suas vidas vazias, privilegiadas e confortáveis, arrogantemente alheios ao sofrimento que causaram.
Que Scott Fitzgerald consiga dizer tanto com tão parcos recursos narrativos, que seja capaz de aliar uma trama "realista" com uma linguagem densamente poética, que faça do dinheiro, da classe social, do amor e do orgulho temas definitivos e poderosos, é algo que consegue deslumbrar e interessar qualquer leitor. Nos Estados Unidos é uma obra estudada desde o secundário.