sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Ode ao Amor

Imagem De Chirico
Já que estamos a falar de AMOR nas nossas sessões de leitura, aqui fica um Poema de Jorge de Sena - ODE AO AMOR.

(Dedicado à Aldina Duarte, ao seu cantar, à sua Arte)


Tão lentamente, como alheio, o excesso de desejo,
atento o olhar a outros movimentos,
de contacto a contacto, em sereno anseio, leve toque,
obscuro sexo à flor da pele sob o entreaberto
de roupas soerguidas, vibração ligeira, sinal puro
e vago ainda, e súbito contrai-se,
mais não é excesso, ondeia em síncopes e golpes
no interior da carne, as pernas se distendem,
dobram-se, o nariz se afila, adeja, as mãos,
dedos esguios escorrendo trémulos
e um sorriso irónico, violentos gestos, amor...
ah tu, senhor da sombra e da ilusão sombria,
vida sem gosto, corpo sem rosto, amor sem fruto,
imagem sempre morta ao dealbar da aurora
e do abrir dos olhos, do sentir memória, do pensar na vida,
fuga perpétua, demorado espasmo, distração no auge,
cansaço e caridade pelo desejo alheio,
raiva contida, ódio sem sexo, unhas e dentes,
despedaçar, rasgar, tocar na dor ignota,
hesitação, vertigem, pressa arrependida,
insuportável triturar, deslize amargo,
tremor, ranger, arcos, soluços, palpitar e queda.

Distantemente uma alegria foi,
imensa, já tranquila, apascentando orvalhos,
de contacto a contacto, ansiosamente serenando,
obscuro sexo à flor da pele... amor... amor...
ah tu senhor da sombra e da ilusão sombria...
rei destronado, deus lembrado, homem cumprido.
Distantemente, irónico, esquecido.


Jorge de Sena, in 'Pedra Filosofal'

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