domingo, 15 de maio de 2011

Último dia da Feira do Livro, Lisboa, 2011



É hoje, 15 de Maio de 2011, o último dia da Feira do Livro de Lisboa. Aproveito para deixar aqui a versão completa de uma breve crónica que escrevi para o P2, suplemento do Jornal Público.




Ir à Feira do Livro é como uma antecipação de férias, o que para mim é bastante irónico uma vez que os meus dias se passam entre livros e mais livros. Sinto-me como um pasteleiro na loja de doces, como uma criança entre brinquedos, como se fosse Natal e sem qualquer Scrooge a ensombrá-lo – será que Dickens está traduzido para português? - e poderia passar o tempo à procura de mais associações tontas deste tipo, a olhar para os jacarandás gloriosamente em flor, se não me ocorresse que estou aqui “em missão”.
E é assim que me faço ao caminho por entre escaparates que apresentam o seu “produto” com a alegria, o movimento de um mercado exótico, e sob um sol glorioso deslizo, parque acima, no melhor estilo “flâneuse”, à procura de “Ilha Teresa”, o novo livro de Richard Zimler, um autor cuja obra acompanho com devoção. De passagem, procuro o lugar da Tinta da China para ver aquelas belas capas, todas juntas, e aproveito para adquirir mais um exemplar de “Caderno Afegão” de Alexandra Lucas Coelho, para oferecer a alguém que seja merecedor. A tentação de gastar dinheiro é grande – o que me parece leviano, dada a crise – mas chego à conclusão de que não existe nada mais saudável do que esbanjar euros em livros, pelo o que decido mandar as preocupações às urtigas, num momento de grande irresponsabilidade mental, cívica e política. Dou por mim a fixar as costas do carrancudo e orgulhoso Marquês, lá no alto, com a sua orgulhosa pose de tirano iluminado e lembro-me logo do Pedro Almeida Vieira e dos seus romances históricos onde Pombal paira, como uma nuvem aziaga. É neste estado de espírito que me encontra um amigo de longa data – abraçamo-nos, emocionados – e recordo imediatamente “As Mulheres Cantoras “ de Lídia Jorge (“Lembras-te de mim? Perguntou. Abraçámo-nos. O seu corpo estava tão leve que dançávamos sem dar por isso….”), um romance tão belo que arrepia, com personagens deslumbrantes que percorrem as páginas ao ritmo da música das palavras desta escritora incomparável.
De novo só, distraio-me a contemplar o rio, lá em baixo, a beleza absoluta desta “Cidade de Ulisses” … e pronto, lá vou eu a correr comprar o romance do mesmo nome de Teolinda Gersão, tão apaixonante, tão bem escrito, um romance cinzelado em palavras certeiras e poéticas por esta grande escritora cuja carreira literária já conta trinta anos de labor ! Pelo caminho faço uma visita à “Casa das Auroras” da Cristina Carvalho, um livro que quero reler – uma e outra vez para apreender bem o sentido deste livro singular - e rio-me sem querer ao ver uma senhora opulenta de carnes, carregada de livros, a deixá-los cair, no momento em que é vigorosamente puxada por um nervoso rafeiro que se deita a arfar, tão afogueado quanto a dona. É um momento de humor à la Jacques Tati, o que me remete para a douta reflexão de quão humano é rirmo-nos quando alguém tropeça ou diz baboseiras, ou põe o pé em falso (em todos os sentidos). Acontecimentos destes são a matéria-prima dos humoristas mas se rir é fácil e fazer rir é difícil, mais difícil será, como observou o velho Quintiliano, acrescentar à hilaridade espontânea o dom da ironia, que implica agilidade mental, facilidade de expressão, cultura, charme, um pouco de picante, etc., tudo o que Shakespeare possuía – aliás como Camões. "Melhor um louco com graça do que um engraçado doido” dizia ele, Shakespeare, um conselho que certamente não é necessário recordar quando se trata de Machado de Assis ou de Howard Jacobson que, em épocas diferentes, souberam utilizar o “wit” de forma memorável. O brilhante, impagável, cáustico “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e a “A Questão Finkler” farão parte do programa da minha próxima Comunidade de Leitores na Culturgest. Ainda me falta escolher quatro livros dedicados ao mesmo tema. Quão difícil é encontrar obras em que a comédia seja um assunto sério! A visita continua.


sexta-feira, 6 de maio de 2011

Curso Breve



Começa amanhã o meu Curso de Introdução à Literatura inglesa e americana na Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais. São 4 sessões - dias 7, 14, 21, 28 de Maio. Das 15 às 18 horas com intervalo para café.Estou ansiosa por começar. Aqui fica o Programa:


Uma breve viagem pelo universo da Literatura de Língua Inglesa, do século XIX aos nossos dias.

O óbvio interesse de Paula Rego pela Literatura parece enfatizar a importância de tramas e narrativas na sua obra. Para além de reformular a leitura de textos literários – caso do romance “Jane Eyre” de Charlotte Brontë e dos escritos de George Orwell, entre outros – a sua constante referência a temas e imagens dos contos tradicionais e a ironia crítica com que retrata o papel das mulheres em casa e na sociedade, são sinais de um intenso escrutínio e de uma profunda reflexão no que diz respeito à ligação entre o seu imaginário e o processo narrativo. Na verdade, o que é a Literatura senão a fixação de histórias na escrita? Qual a diferença entre contar a história de um príncipe dinamarquês, cuja mãe casou com o tio, que avista o fantasma do pai, que perde a cabeça e leva toda a gente à morte, e ler – e levar à cena – uma das peças-chave da dramaturgia mundial, de William Shakespeare? O que separa a história de uma jovem mulher que encontra um homem com o estúpido nome de Darcy, aparentemente insuportável mas que acaba por se revelar simpático e que a convence a casar e a viver feliz com ele para sempre, e a obra de Jane Austen? Ou ainda como descortinar, na história de uma jovem maltratada (Jane Eyre) que vai trabalhar como governanta e se apaixona pelo seu arrebatador patrão – vento e neblina acompanham os seus suspiros, sótãos e incêndios desorganizam-lhe a mente – uma das mais apaixonantes tramas de todos os tempos? E como entender a forma como as misteriosas e assustadoras histórias contadas às crianças antes de adormecerem se transmutaram em semente de uma literatura que chegou aos nossos dias com os seus terrores urbanos, o receio da globalização descontrolada, o caos das perturbações sociais e a desagregação de um modelo familiar que parecia imutável e sólido? No vasto território da Literatura poderá haver respostas a estas e a outras questões.

I – 7 Maio, 2011 – 15:00h
As Contadoras de Histórias – de Jane Austen a Zadie Smith.

As mulheres, contadoras de histórias por excelência, conhecedoras profundas do mundo privado e do espaço público, guardadoras de palavras e de mitos têm desempenhado um papel único e pioneiro na Literatura anglo-saxónica. As inglesas Jane Austen – criadora do “romance moderno” – e Zadie Smith – actual representante da escrita “pós-colonialista”, urbana e sofisticada – podem funcionar como marcos que separam mais de dois séculos de Literatura alimentada pelo poder feminino. Do “romance gótico” ao “romance fantástico”, que transitou do século XVIII para o século XIX – com a marca indelével da genial Mary Shelley – passando pelas poetas vitorianas Elizabeth Barrett Browning e Christina Rossetti e, nos Estados Unidos, Emily Dickinson, até chegar a romancistas contemporâneas como Margaret Atwood, Nadine Gordimer, Doris Lessing e Joyce Carol Oates, tudo indica que é importante ressalvar o papel de uma escrita “feminina” – questão, por si só, controversa – e tentar delinear um mapa que demonstre a importância de tantas e tão talentosas autoras.

II – 14 Maio, 2011 – 15:00h
Os Românticos – Somos todos heróis “byroneanos”?

Os primeiros Românticos, jovens, impetuosos e revolucionários, viveram paixões intensas por pessoas, por políticas, pela arte e pela aventura intelectual. A geração que foi buscar o seu ímpeto aos ideais subjacentes à Revolução Francesa – que lhes moldou o carácter e a arte de escrever – inclui William Wordsworth, Samuel Taylor Coleridge e William Blake que formaram o “trio de ataque” e foram seguidos por Byron, Shelley e Keats cujo trabalho poético é já contemporâneo do rescaldo da derrota de Napoleão em Waterloo, em 1815. É possível detectar heróis – e anti-heróis – “byroneanos” em criações literárias das irmãs Brontë, de Oscar Wilde, até de James Joyce e, mais recentemente, de autores como Saul Bellow e Martin Amis. De referir, a luta (em certa medida inglória) de D.H. Lawrence para criar personagens romanticamente “revolucionárias”, de ambos os sexos, apostadas em quebrar tabus no que diz respeito às relações humanas, algo que os membros do famoso Bloomsbury Group, puseram em prática, de uma forma mais cerebral mas não menos utópica, dando origem a movimentos que tiveram o seu apogeu nos anos sessenta e setenta do século XX. Ainda hoje o termo “romântico” é aplicado de uma forma indiscriminada e por vezes “leviana” sem ter perdido o seu carisma inicial. A Literatura, a sociedade e as pessoas chegam a ressentir-se de tão pesada herança, salvaguardando a raiz revolucionária mas usando a ironia para desconstruir os excessos e o pessimismo mórbido deste movimento.

III – 21 Maio, 2011, 15:00h
Maçã Envenenada e Bosque Encantado – a Idade de Vitória

O século XIX é, por excelência, o tempo da rainha Vitória da Grã-Bretanha, que deu origem a um termo, “vitorianismo”, aplicado à literatura, às artes, à política, aos costumes, à moda, à ciência e, praticamente a todas as manifestações sociais e individuais do seu tempo. A Literatura reflecte plenamente as contradições de uma época que estremece, ainda, no rescaldo de três Revoluções – a Americana, a Francesa e a Industrial – e que dá os primeiros passos naquilo a que se convencionou chamar a Idade Moderna. Desenvolvem-se novas ideias de organização da sociedade, da família, do papel das mulheres e das crianças. Por um lado a ciência dá passos gigantescos, a migração para as cidades é maciça, o individualismo manifesta-se como crença e a família nuclear estabelece-se em força; por outro lado, a miséria invade as ruas, a prostituição e o trabalho infantil são realidades obscenas – Charles Dickens escreveu sem parar sobre este tema – e os traumas e as neuroses mais violentas desenvolvem-se no ambiente fechado e sombrio das “nurseries”, dentro de casas confortáveis – fruto do progresso – mas com as janelas firmemente fechadas ao mundo exterior. É o tempo de relações funestas e delírios alucinados, de jogos mentais e de transformações fantásticas – aliados a um erotismo poderoso e latente - que autores como as irmãs Brontë, Lewis Carroll, Robert Louis Stevenson, Oscar Wilde, Sir Arthur Connan Doyle, bem como os americanos Edgar Allan Poe, Herman Melville e Walt Whitman não se cansaram de explorar. Até nós, chegam os ecos e a influência do que Freud chamou “o romance familiar dos neuróticos”, principalmente nos escritores irlandeses contemporâneos como Michael Collins e Anne Enright ou nos “pastiches” vitorianos da autora inglesa A. S. Byatt.

IV – 28 Maio, 2011, 15:00h
Da “morte” de Deus à globalização – Modernismo e pós-modernismo.
Recusando violentamente o aparente optimismo vitoriano, o Modernismo rebela-se contra as regras impostas pela tradição e reage duramente contra pressupostos religiosos, sociais e políticos. A carnificina da Iª Grande Guerra revela o vazio e a descrença, dando origem à “Geração Perdida” de Hemingway e Scott Fitzgerald. É, também, o tempo de Virgínia Woolf, de James Joyce e dos americanos T. S. Eliot, Edith Wharton e Henry James. George Orwell, o “santo – proletário” é figura exemplar numa época em que se tenta desesperadamente – e sem grande êxito – desmascarar os perigos das ideologias e evitar erros futuros. A segunda metade do século XX assiste ao eclodir do pós-modernismo e da tomada do poder por parte de escritores que, no universo da Língua Inglesa, desbravam caminhos perigosos que vão do humor negro à fantasia satírica, passando pelo anti-realismo, pela fabulação, pelo absurdismo, pela pornografia dura e por muitas outras ficções “etiquetadas” pelos críticos que tanto escrevem em suportes tradicionais como em blogues ou se fazem ouvir no Youtube . Nomes como Martin Amis, Salman Rushdie, Kasuo Ishiguro e Ian McEwan procuram uma voz particular e única por entre a avalanche de influências que lhes chegam dos quatro cantos do mundo de expatriados como Nabokov e Saul Bellow à escrita daqueles que, depois da queda de impérios e de muros, enriquecem, com a sua experiência, uma Literatura em constante efervescência, multi-cultural, mestiça e visionária.