segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Leituras de fim-de-semana

Passei o fim-de-semana a ler o que, no meu caso, é como fazer um maratonista a preparar-se para uma caminhada de centenas de quilómetros. Não sou o Professor Marcelo Rebello de Sousa que lê vinte livros numa só noite mas quando vejo a pilha dos "não-lidos" a aumentar perigosamente, há que fazer um esforço.
Para já, quero referir o óptimo trabalho da editora Temas e Debates que pôs cá fora, em rápida sucessão, reedições de três obras fundamentais para a formação filosófica, política e literária de qualquer ser humano que se preze. São livros para consulta frequente e para releituras assíduas:
"Tratado Político" de Espinosa
"O Príncipe" de Maquiavel
"O Cânone Ocidental" do decano Harold Bloom, este último um utensílio indispensável – embora de conteúdo polémico, o que é sempre uma boa coisa – para quem quer que se interesse por Literatura. O único português incluído é, evidentemente, Fernando Pessoa por quem Bloom tem uma verdadeira obsessão.
Quanto a outros livros:
Mão Morta. Um Crime em Calcutá” do veterano de literatura de viagens – e não só – Paul Theroux, (Ed. Quetzal) com um relato de crimes e castigos no ambiente tórrido e húmido da populosa cidade asiática. Tão elogiado como criticado, este romance é uma espécie de tributo à Índia – caótica, fascinante, para alguns, repelente – e para quem gosta, com longas e por vezes exaustivas descrições de sexo tântrico. Theroux é um desses autores que sem nunca chegar aos píncaros, não tem dificuldade em mostrar a sua competência e versatilidade. Mistura géneros, liberta-se de dogmas e fala do que lhe interessa. Theroux que é filho de um canadiano e de uma italiana e foi escuteiro e católico na juventude, tem levado uma vida de aventuras e viajado por todo o mundo. Num dos seus primeiros livros, passado em África – “amor à primeira vista “ – escreveu sobre “a futilidade das políticas africanas e a desintegração da vida tribal”.

Também li, numa noite em que recordei os tempos em que só apagava a luz de madrugada, “O Último Homem Americano” de Elizabeth Girlbert, Ed Bertrand. E ADOREI. É um livro sobre a figura (real) de Eustace Conway, que vive como os primeiros pioneiros americanos ou, mais propriamente como os nativos americanos antes do avanço industrial e tecnológico. Mas não pensem que é (apenas) uma apologia do “bom selvagem” ou uma história sobre um hippie retardado. Eustace é um fenómeno e é preciso ler o livro para perceber que Gilbert desejou falar – e fá-lo de uma forma inteligente – sobre o que significa a “vida alternativa” e como estas podem ser mantidas ou, como na maioria dos casos, destruídas em pouco tempo. Gilbert é divertida, entusiasta e apesar de eu saber calcular que poucas pessoas falarão do livro nos jornais – muito “light” – eu li tudo com o maior prazer, enquanto relembrava a minha própria infância quando, em África, tal como Eustace nos Estados Unidos, as crianças iam para o mato brincar sem supervisão de adultos e comíamos formigas, raízes, bagas e apanhávamos cobras e outros animais. Uma espécie de viagem desvairada - como as que fez Eustace - a um ponto de não retorno. Eustace Conway é uma espécie de cruzamento entre Davy Crockett e Henry David Thoreau o que permite à autora escrever sobre as sociedades utópicas do século XIX, o movimento Beat e outras experiências. Fascinante. Só espero que não façam deste livro um filme tão mau como o que fizeram a partir de outro livro desta autora "Comer, Orar, Amar" que não era fabuloso mas não merecia um tratamento à la Bardem e à la Julia Roberts.

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